A mortalidade é algo inerente ao ser humano. Ela que faz cada um seguir uma vida hedonística de forma justificável, viver um dia de cada vez, tentar não se arrepender de nada pois sabe que em um momento tudo isso se acaba, e saber que isso tem um fim gera uma certa angústia e um prazer, por conta dessa beleza de ser temporário e passageiro. E, não associar isso com a questão da morte é algo impossível pois são contrapesos um para o outro na balança da existência. Denis Diderot fala sobre esse medo de morrer ligado ao homem: “O pensamento da própria destruição é como uma luz na escuridão que espalha suas chamas sobre objetos que serão consumidos. Precisamos nos acostumar a contemplar essa luz, pois ela sempre nos revela coisas que estavam ocultas. A morte é tão natural quanto à vida, então por que deveríamos ter tanto medo dela?”.
Com isso, e uma imaginação fértil, alguns são levados a imaginar qual o sentimento de seres sobrenaturais imortais em relação a essa condição humana, que é nossa dádiva e maldição simultaneamente, sabendo que todos possuem um prazo de validade e essas criaturas celestiais conseguem fugir dessa situação. Fato este que é muito bem explorado pelo diretor Wim Wenders, em seu filme Der Himmel über Berlin (Asas do Desejo) de 1987.
O filme acompanha dois anjos em uma Berlim ainda divida pelo Muro, em que eles vagam ouvindo os desesperos, inseguranças, dores e medos das pessoas, na qual apaziguam os tormentos humanos através do toque divino. Contudo, conforme eles ouvem os lamentos, começam a se questionar de que nunca viverão essas tristezas e alegrias por conta da imortalidade, esse caráter que o efêmero oferece acaba se esvaindo para uma entidade eterna justamente por não saber que isso pode acabar a qualquer momento. E, em meios a diversos devaneios existencialistas, um dos anjos se apaixona por uma trapezista, o que faz com que ele comece a pender para o lado de se tornar um anjo caído para viver este amor, mesmo com todas as consequências que implicam essa escolha.
Ao decorrer da narrativa, acompanha-se também as angústias da trapezista, todas as decepções, a falta de sentido na vida dela, o contraste do fracasso do circo refletindo no seu cotidiano, enquanto o anjo se torna um pouco obcecado por ela, porém Wenders conduz essa relação dos dois de forma tão sensível que acaba se tornando algo contemplativo, único e casto.
E, para ajudar o anjo apaixonado nessa busca, têm-se um anjo caído que o auxilia nessa jornada, explicando os motivos de se arriscar a esse novo tipo de vida, seja sobre indagações sobre o amor, por achar que a vida divina não é a ideal, por cansar de acalentar as pessoas com felicidade e não ir em busca de sua própria, afinal será que o sentido da existência dos anjos é tranquilizar a todas as pessoas? Porém, quando começa a se questionar essa função, o que sobra além da tentativa de alcançar a liberdade para viver a própria vida? São questionamentos interessantes, visto que tudo o que se acredita acaba se despedaçando, dando espaço para novas visões de mundo e objetivos.
Logo, o filme te leva a questionar todo o prazer das relações humanas, dos medos internos do ser humano em relação a isso tudo ser passageiro, a busca dos nossos próprios motivos para viver pois de nada vale uma existência eterna se nela não haver felicidade. Alie estes questionamentos a diálogos dignos de Ingmar Bergman e pronto, têm-se um filme completamente argumentador sobre desejos momentâneos em algo inexplicável, afinal de contas, o que é a vida senão algo entre dois nadas?
Apaixonado por cinema, amante das ciências humanas, apreciador de bebidas baratas, mergulhador de fossa existencial e dependente da melancolia humana.