O grito suicida de Elena

A única certeza que se tem da vida é a morte, e no caminho que todos percorrem a cada dia em direção a ela é moldada a jornada de cada um, fabricando uma enxurrada de lembranças, memorias, sentimentos e sensações, além de originar marcas através das relações pessoais, cultivando assim esse retrato onírico de nostalgia.

Com isso, um dos fatores mais marcantes que modela a personalidade de alguém são as relações familiares e como algum membro se tornou notável na formação daquela pessoa, como para a diretora Petra Costa foi a sua irmã Elena.

Através do documentário homônimo, a diretora introduz o espectador a figura de Elena, uma adolescente cujo o sonho era o mesmo que o de sua mãe: ser atriz de cinema. Deixando para trás uma infância vivida no meio da ditadura e uma adolescência permeada por peças de teatro e filmes caseiros.

Imediatamente percebe-se em como Elena transpirava vivacidade ao realizar aquilo que ela almejava, em menor escala, durante as imagens de sua infância e adolescência, e em como esses momentos deixaram uma marca profundamente afetiva nas memórias da diretora naquele período.

Assim sendo, o documentário se conecta de maneira quase imediata com o público, muito por conta da riqueza de detalhes que Petra descreve sua irmã, além de utilizar de forma primorosa um arsenal de artigos pessoais, como os já citados vídeos caseiros, fotos, diários, cartas e depoimentos, dando um tom super intimista a obra.

Desse modo, têm-se a construção da persona Elena, desde seu nascimento até o suicídio, ilustrando como a depressão começou a surgir em certo momento, aliado de um trauma causado pelo divórcio dos pais aos 15 anos junto com a tentativa frustrada de realizar o sonho de ser atriz ao ir para Nova York, em um primeiro momento, através da perspectiva ingênua da diretora, que na época do ocorrido tinha apenas 7 anos.

Após o fato, a mãe das duas irmãs pede a Petra não escolher uma única profissão: ser atriz. Contudo, a diretora embarca rumo a Nova York, depois de contradizer a mãe e seguir a carreira, munida de seu arsenal de pistas, como as cartas e os diários, caminhando pelas ruas da cidade na esperança de encontrar Elena.

E conforme Petra vai avançando, os traços das duas vão se confundindo, enredando-se com o clamor da saudade protagonizado por ela e sua mãe, ao revisitar os locais em que as três conviveram quando Elena retornou para Nova York pela segunda vez, dessa vez com a sua família.

No entanto ao retornar pela segunda vez, é perceptível a descrença de Elena com tudo ao seu redor. Seus dias se tornam longos, muitas vezes ela passava-os deitada chorando, não conseguindo forças para tentar encarar o dia seguinte. E mesmo com o ternura sua mãe, o medo de não conseguir o sucesso, aliado ao buraco negro do afeto, a consumiu.

Apesar disso, Elena grita. Grita pela agonia que está a abatendo. Grita pela desolação que a exaure. Grita por socorro. Seus gritos são audíveis por todos em sua volta, porém não conseguem acudi-lá a tempo. A dor a engoliu por completo e o que restou dela foi a saudade.

Da mesma maneira do que sobrou de Elena, Petra utiliza esse resquício como resposta e resolve filmá-lo. Um filme sobre a saudade, que serviria muito bem como uma carta para alguém que o contato foi perdido, mostrando que o vácuo deixado por ela sempre estará lá faltando algo, sendo preenchido por lembranças nostálgicas.

Portanto, Elena demonstra ao público quão grave é essa doença silenciosa que a devorou por inteiro, nunca utilizando de subterfúgios para suavizar o assunto, deixando claro que não é frescura e sim algo muito sério, em como isso afeta a portadora e as pessoas ao seu redor. E dessa lição intimista se tira a reflexão de que deve-se sempre apoiar qualquer um que esteja doente, afinal qualquer um que se importa com alguém querido que possui depressão, não deve apenas auxiliar no combate do problema durante um único mês ao ano.