Crítica | Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta (Moxie) [2021]

Nota do Filme:

O cinema precisa, urgentemente, desconstruir os estereótipos manjados das comédias adolescentes, mesmo que a passos de formiga. Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta é um belo exemplo de alguns desses passos. A abordagem das histórias se adaptou através dos anos, desde Juventude Transviada (1955), passando por Grease: Nos Tempos da Brilhantina (1978), pelos clássicos de John Hughes e, recentemente, por American Pie (1999). Mas, levando em conta esses exemplos, é chocante que ainda se normalizem certos comportamentos, tanto que nos acostumamos a eles.

Por conta dessa influência, gerações e mais gerações cresceram romantizando a sexualização de mulheres, o comportamento machista e o protagonismo masculino. É difícil ser espelho e, ao mesmo tempo, um manual, mas é necessário que filmes para o público teen encontrem um equilíbrio e desconstruam estereótipos. A indústria precisa deixar de contribuir com a reprodução de conceitos do patriarcado machista.

Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta, original Netflix, surge num momento em que a plataforma de streaming já consolidou seu desejo de ser fada sensata e discutir pautas relevantes com os jovens. Junto com Sex Education (2019 – ) e Big Mouth (2017 – ), o filme entra nesse mesmo movimento ao questionar comportamentos do período escolar e nos fazer refletir.

Riot Grrrl

Baseado no livro homônimo de Jennifer Mathieu, Moxie acompanha Vivian (Hadley Robinson), uma adolescente tímida de 16 anos, que começa a se questionar sobre certas atitudes que observa em seu colégio. Mitchell (Patrick Schwarzenegger), o capitão do time de futebol, passa a assediar a novata Lucy (Alycia Pascual-Pena). Mas, quando esta exige que algo seja feito, a diretora prefere colocar panos quentes, principalmente porque o time futebol é o orgulho da instituição.

Então Vivian mergulha na luta feminista, se inspirando em sua mãe, Lisa (Amy Poehler), que foi uma Riot Grrrl (integrante do movimento punk feminista underground do início dos anos 90). Ela cria uma zine chamada Moxie e acaba ganhando uma legião de fãs e provocando uma verdadeira revolução no colégio.

Quem encabeça a produção é a comediante Amy Poehler e faz toda diferença ter uma mulher à frente disso tudo. Ela tem muita segurança sobre o tipo de filme que quer fazer e encontra um bom equilíbrio entre o drama, a comédia e as discussões sociais. O resultado é um trabalho imperfeito, mas, ainda assim, um excelente exemplo do que esse gênero pode se tornar.

É revigorante ver o longa explorar outras possibilidades e narrativas para o público jovem, mas é ainda melhor ver como a diretora utiliza sutilezas para quebrar estereótipos, que vão desde o relacionamento de Vivian com o colega Seth (Nico Hiraga), ou até na naturalização do fato de Lisa abrir um pote de sorvete apenas para ver televisão, e não para afogar as mágoas por causa de um homem.

Punk feminista

Não existe didatismo em Moxie e isso é um alívio. O longa é muito mais dinâmico justamente porque entendemos os conflitos e as lutas das personagens através de suas ações. Vivian e suas amigas realmente “descem pro play”, organizando suas lutas, gritando e protestando, fazendo de Moxie um autêntico filme punk.

E não apenas por conta de zines e Bikini Kill. Este é um filme punk porque, além de abordar pautas feministas como a diminuição da mulher nos esportes, opressão, assédio etc., ele mostra meninas expondo esses comportamentos e lutando contra eles.

O que Moxie faz de melhor é mostrar que o incômodo é real e que lutar contra ele é possível. Sabemos que as novas gerações estão cada vez mais por dentro de certas pautas sociais, então, pode ser que a maioria das discussões não seja novidade. Mas o filme deixa claro que seu objetivo é muito mais dar um impulso para que os desconfortos se tornem ações reais. E só por isso ele já garante sua carga de importância.

Feminismo interseccional

Mas nem tudo são flores no longa de Poehler. Apesar de seu forte compromisso em ser relevante, existem duas falhas bastante graves aqui. A primeira é a atenção desnecessária que o filme dá ao drama familiar, irrelevante para a trama e um clichê, como se avisasse ao público que esta ainda é uma produção teen.

Existiriam formas mais interessantes de utilizar o tempo gasto para construir essas duas cenas totalmente aleatórias e exaustivas. Uma delas seria para corrigir outro erro imperdoável: a falta de representação do feminismo interseccional, aquele que se preocupa com causas relacionadas, como o racismo.

O roteiro de Tamara Chestna e Dylan Meyer é eficiente ao trazer para a história a representatividade que ela precisa. Vemos meninas negras, latinas, asiáticas, lésbicas, trans e com deficiência física em cena, e tudo é lindo até certo ponto. O que não dá para ignorar é que o filme continua sendo sobre a jornada de uma mulher branca, cheia de privilégios.

Por mais que Vivian se engaje em combater comportamentos machistas, a presença de suas amigas em cena mais parece um acessório do que uma causa. Lucy, por exemplo, é uma personagem com muito potencial e o fato dela ser negra e latina permitiria ao filme explorar certas questões dessa minoria, mas ele não o faz.

Colocar todas numa mesma caixa é viável no papel, mas ignora os problemas que cada uma enfrenta e diminui aspectos importantes de suas lutas. E Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta acaba se reduzindo a algo que parece não querer ser: um filme sobre um feminismo branco e privilegiado.

Porém, como foi exposto anteriormente, é difícil ser espelho e ao mesmo tempo manual. Não deve ser fácil quebrar e combater estereótipos enquanto é se mantém sentimentos e angústias próprias do universo adolescente. Mas, assim como no próprio feminismo, a revolução vem em passos de formiga. Não é num curto espaço de tempo que se derruba o patriarcado, mas a existência de filmes como esse, talvez contribua para que esse momento não esteja tão distante.