Desde que percebeu que seu destino era se tornar uma artista, Marilyn Monroe se comprometeu em ser exatamente isso. Longas horas investidas em aulas, leituras e preparação de personagem refletem a intenção genuína da atriz. Hollywood, no entanto, tinha outros objetivos para esse talento que até hoje se faz presente na cultura, estabelecendo-a como mais uma typecasting ao designar papéis que exploravam sua sensualidade e o estereótipo da mulher loira burra.
Ainda assim, em meio a sucessos como Os Homens Preferem as Loiras e Quanto Mais Quente Melhor, estão alguns títulos esquecidos no universo mainstream e nos quais Monroe conseguiu apresentar ao público nuances do seu talento para além do sex appeal do vestido ao vento, resultado de um trabalho que foi interrompido com o seu falecimento e que comprova que ela alcançou o seu objetivo de “esculpir um âmbito não muito grande e no entanto permanente no mundo da atuação”. São eles:
O Príncipe Encantado (1957)
Com um dos bastidores mais controversos da carreira, a comédia romântica dirigida por Laurence Olivier, que também atuou como o protagonista, conta a história de Elsie Marina, uma dançarina americana que mora em Londres e começa uma relação com o Príncipe Regente após a realeza europeia assistir à uma apresentação da jovem.
Produzido pela Marilyn Monroe Productions, o filme, que rendeu a Monroe a estatueta do David di Donatello de Melhor Atriz Estrangeira, é uma adaptação teatral de uma obra encenada por Olivier e sua mulher Vivien Leigh em palcos ingleses. Durante a produção, os protagonistas tiveram diversos conflitos oriundos de divergências artísticas e questões pessoais, principalmente relacionadas à saúde mental da estrela de Hollywood. Ainda assim, o resultado é satisfatório e Monroe mostra o seu amadurecimento enquanto comediante com uma perspicaz interpretação e compreensão das piadas e da linguagem corporal.
Os Desajustados (1960)
O último trabalho completo da atriz e talvez um dos que mais ressoam com os tempos atuais devido ao seu apelo emocional e social, no sentido de que trabalha com a ideia de pertencimento e identidade. Dirigido por John Houston, que já havia trabalhado com Marilyn em Asphalt Jungle – um dos seus primeiros papéis importantes – e escrito por Arthur Miller como um presente para a atriz, Os Desajustados acompanha Gay Langland (Clark Gable), Guido Racanelli (Eli Wallach) e Perce Howland (Montgomery Cliff), três combois, e Roslyn Taber (Marilyn Monroe), uma mulher recém-divorciada, que tentam achar o seu lugar no mundo.
Juntos, o quarteto decide ir em busca de cavalos selvagens em uma tentativa de ganharem dinheiro e no meio do caminho todos os homens acabam se apaixonando pela mulher, que é vista por eles como a última esperança em suas vidas. No momento de lançamento, o longa acabou ocupando as páginas dos jornais mais pelas histórias dos bastidores – os Millers se separando – do que pela narrativa em si, mas hoje é visto sob uma ótica cult e valorizado principalmente pela oportunidade de ver uma Monroe mais humanizada e crua em uma atuação mais madura.
Só A Mulher Peca (1952)
Assim como Os Desajustados, o longa dirigido pelo conceituado Fritz Lang, conhecido pela sua direção sagaz e autoral, é respeitado no meio cult e independente dos estudos de cinema. Em uma direção contrária do que se via no mercado comercial de Hollywood daquela época, o filme acompanha de forma realista e provocativa a rotina de uma vila que sofre com as repercurssões da crise financeira e social. No pequeno papel de Peggy, uma jovem infeliz com o seu trabalho na indústria de pesca, Marilyn Monroe atua ao lado da consagrada Barbara Stanwyck e se destaca pela sua presença imponente e ao mesmo tempo jovialmente real.
O longa foca nos dilemas de Mae Doyle (Stanwyck), que, ao retornar para a cidade natal após o falecimento do seu amante, se envolve com Jerry, um dos pescadores locais. Os problemas começam quando fantasmas emocionais do passado retornam e um dos melhores amigos de Jerry se apaixona por Mae.
Os Meus Lábios Queimam (1952)
Um dos menos falados e um dos melhores da carreira de Marilyn Monroe, esse noir de baixo orçamento mostra uma apreensão sublime da arte de atuar por parte da atriz americana. Apesar da insegurança, Monroe gravou praticamente todas as cenas em um take, o que era necessário devido às questões financeiras de produção, e pode exibir em todas o controle que ela tinha das suas emoções e do que o personagem precisava. Apesar do fracasso de bilheteria, pois o público não aceitou Monroe em um papel despido como esse, o filme foi um sucesso pessoalmente, pois foi uma das poucas oportunidades que ela teve de explorar suas técnicas e de expandir suas nuances enquanto artista.
Dirigido por Ray Ward Baker, esse longa de pouco mais de uma hora, inspirado na obra literária e cinematográfica Um Bonde Chamado Desejo, explora os dilemas da jovem Nell Forbes, que sofre com tendências suicidas após a morte do namorado. Depois de receber alta da instituição mental, a jovem decide aceitar o convite de um tio para trabalhar como babá, onde conhece um homem do qual está convencida de que é o seu ex falecido.
Niagara (1953)
Considerado um dos primeiros noir em cores, Niagara confirmou a potência de Marilyn Monroe em cena, lançando-a ao sucesso pelo qual é conhecida. Lembrado hoje pela sequência mais longa de um caminhar feminino nas telonas, o longa dirigido por Henry Hathaway é uma odisseia romântica cheia de ciúme, traição e assassinato. Durante a visita de dois casais às cataratas do Niagara, Rose (Marilyn Monroe) e seu marido, George (Joseph Cotten), estão enfrentando problemas maritais quando conhecem um casal recém-casado que são enganados pela mulher e acabam se envolvendo nos seus segredos.
A presença de Monroe enquanto a femme fatale fez com que os magnatas da Fox a enxergassem com outros olhos, escalando-a ao lado de nomes como Betty Grable, Lauren Bacall e Jane Russel nas comédias românticas Como Agarrar Um Milionário e Os Homens Preferem as Loiras.
Jornalista Cultural, Crítica de Cinema e Produtora Executiva.