No decorrer dos anos, uma das principais características do cinema é se reinventar, tanto nos fatores técnicos e no estilo, quanto no quesito de gêneros e abordagens. Os musicais, por exemplo, tiveram a sua era clássica durante as décadas de 30 e 50; enquanto que as obras de western tiveram força durante as décadas de 30 e 60 – liderados principalmente por John Ford e John Wayne. Levando em conta essa variação constante, podemos afirmar que o gênero cinebiográfico, que está em voga até hoje, começou a se destacar no início dos anos 80, com Robert de Niro interpretando o boxeador Jake LaMotta em Raging Bull (Touro Indomável) (1980) e com Ben Kingsley vivendo o líder indiano Mahatma Gandhi em Gandhi (1982) – ambos venceram o Oscar de melhor ator.
Mas como se define um filme biográfico? Basicamente, é uma obra que retrata a vida de um personagem não-ficcional ou histórico. O roteiro deve abordar as histórias e vivências dessa pessoa central e o protagonista sempre carregará o mesmo nome daquele que está vivendo em tela. Para muitos, o gênero de biografias é o que mais demanda dos atores envolvidos no projeto, visto que estarão interpretando pessoas conhecidas pelo grande público, que, por muitas vezes, sabe também quais são todos os seus trejeitos e características.
Talvez por isso, o Oscar decida indicar e premiar um número gigantesco de artistas envolvidos em tal tipo de projeto. Inclusive, entre os anos de 2005 e 2008, todos os vencedores de melhor ator viveram figuras públicas: Jamie Foxx foi o cantor Ray Charles no filme Ray (2004), Phillip Seymour Hoffman representou o escritor americano Truman Capote em Capote (2006) e Forest Whitaker desempenhou o papel do ditador de Uganda, Idi Amim Dada em The Last King of Scotland (O Último Rei da Escócia) (2007). Além deles, duas atrizes ganharam o prêmio principal: Reese Witherspoon com a personagem June Carter em Walk The Line (Johnny & June) (2005) e Helen Mirren após viver a rainha Elizabeth II em The Queen (A Rainha) (2006). Já Cate Blanchett venceu o prêmio de coadjuvante vivendo Katharine Hepburn em The Aviator (O Aviador) (2004).
Nessa lista, além dos filmes já citados anteriormente, vamos indicar ótimas cinebiografias que podem ter passado despercebidas pelo grande público e que merecem o devido reconhecimento.
Spartacus (1960)
Nota do Filme:
Depois de viver por anos como escravo em uma pedreira, Spartacus (Kirk Douglas) é vendido para um famoso treinador de gladiadores chamado Batiatus (Peter Ustinov). Depois de passar semanas aprendendo a matar os concorrentes nas arenas de batalha romanas, ele decide se rebelar contra seus donos com a ajuda dos demais escravos buscando, enfim, a liberdade. Na marcha rumo às suas casas, o grupo vai ganhando cada vez mais força e adeptos para batalhar contra o império.
Spartacus é um dos filmes menos falados do diretor Stanley Kubrick, uma das maiores lendas da sétima arte. Aqui, ele se baseou no livro de mesmo nome escrito por Howard Fast e que conta a história do famoso líder de uma das maiores rebeliões de escravos na antiguidade. Como bom épico, a película é longa – 184 minutos – e chega a ser cansativa em certos momentos. Porém, a marcante atuação de Kirk Douglas, os figurinos e cenários detalhados e a dimensão absurda criada pelo diretor – nos quesitos de locações e número de figurantes e elenco de apoio – tornam a obra um clássico do cinema.
Além disso, junto com Barry Lyndon (1975), Spartacus (1960) é o filme de Kubrick premiado com mais Oscar – levou as estatuetas de melhor ator coadjuvante, melhor cinematografia, melhor direção de arte e melhor figurino.
*Até a publicação dessa lista, o filme estava no catálogo da Netflix
Amadeus (1984)
Nota do Filme :
A vida, a obra, os sucessos e problemas de Wolfgang Amadeus Mozart (Tom Hulce) são contados sob a perspectiva de Antonio Salieri (F. Murray Abraham), um compositor contemporâneo à ele. Salieri, que acabou internado em um hospital psiquiátrico, carregava consigo uma gigantesca inveja de Mozart, além de afirmar, com detalhes, que foi o causador da morte do famoso compositor.
Dirigido pelo tcheco Milos Forman e escrito por Peter Shaffer que se baseou na sua peça de mesmo nome, Amadeus é um dos melhores e mais marcantes filmes sobre música. Além de retratar a vida de um dos mais brilhantes compositores da música clássica, o filme aborda a questão da rivalidade e da vingança de uma forma bastante apurada. As atuações centrais de Hulce e Abraham são magníficas e com uma química invejável entre os antagonistas. Além disso, o cuidado do diretor com a retratações dos detalhes históricos, desde o figurino até o cenário, é um outro ponto de destaque do filme.
No quesito Oscar, a película acumulou incríveis 11 indicações com oito vitórias nas categorias: melhor filme, melhor diretor, melhor ator (F. Murray Abraham), melhor roteiro adaptado, melhor direção de arte, melhor figurino, melhor maquiagem e melhor som.
Man on the Moon (1999)
Nota do Filme:
Cinebiografia sobre a vida e a carreira do comediante americano Andy Kaufman(Jim Carrey). A narrativa transita entre a infância/adolescência do personagem até mostrar o seu início nos clubes de comédia e as aparições na televisão que o tornaram famoso. Mesmo tendo feito muito sucesso, o comediante nunca utilizou um humor batido e comum, e sim uma própria interpretação sobre o que seria a comédia – o que faz com que muitas pessoas não entendam o seu trabalho.
Também dirigido por Milos Forman, o filme deu a Jim Carrey mais uma chance de viver um papel diferente das comédias com as quais estava habituado. É interessante perceber que após viver Andy Kaufman, o ator venceu o seu segundo Globo de Ouro seguido de melhor ator – um ano antes, ganhou a honraria por seu papel em The Truman Show (O Show de Truman) (1998). O personagem foi tão marcante na carreira de Jim Carrey que anos depois, em 2017, o documentário da Netflix Jim & Andy foi feito para evidenciar o envolvimento do artista na produção do filme e com o personagem em si.
Mesmo sem ter uma recepção inteiramente positiva do público e da crítica, O Mundo de Andy (1999) é um filme curioso, que mostra uma faceta diferente de Carrey. Além disso, depois de quebrar a barreira de “vergonha alheia” imposta pelo tipo de humor feito por Andy Kaufman, acabamos nos identificando com o personagem e percebendo uma certa genialidade em suas intervenções humorísticas.
Rush (2013)
Nota do Filme:
Na década de 70 uma rivalidade esquentava as corridas da Fórmula 1. De um lado, o inglês James Hunt (Chris Hemsworth). Do outro, o austríaco Niki Lauda (Daniel Brühl). Considerado o primeiro grande embate do esporte, a disputa de ambos acontecia dentro e fora das pistas.
Dirigido pelo premiado Ron Howard – também responsável pelos filmes Apollo 13 (1995), Man at Governors’ Ball (Uma Mente Brilhante (2001) e The Da Vinci Code (O Código da Vinci) (2006) -, a obra é um excelente exemplo de ótimos filmes baseados em esportes – considerado um dos temas mais complicados de se adaptar. Mesmo para aqueles que não são fãs de corrida, a película consegue criar um clima de tensão e interesse pela narrativa, principalmente por retratar os dois pilotos de forma humana, sem heróis e vilões. É muito interessante saber um pouco mais dessa história que marcou a vida de tantos aficionados por carros e por todos que presenciaram os eventos durante o período em questão.
Fruitvale Station (2013)
Nota do Filme:
É a história sobre uma noite na vida de Oscar Grant III (Michael B. Jordan). Um jovem de 22 anos que decidiu passar a virada de ano com seus amigos nas ruas de Oakland, EUA. No entanto, o que ele não sabia era que teria que enfrentar mais um dos milhares de casos de preconceito contra negros e de violência policial desmedida.
Primeiro filme da ascendente carreira do diretor Ryan Coogler, que anos depois faria os excelentes Creed (2015) e Black Panther (2018), Fruitvale Station é sem dúvidas o filme mais forte e revoltante dessa lista. Além disso, é o único inspirado em um personagem “comum”, que ganhou fama mundial após os acontecimentos da noite de ano novo de 2008. É impossível não se identificar com o protagonista vivido por Michael B. Jordan e se emocionar com o decorrer de sua história. O elenco de apoio composto por Melonie Diaz, Kevin Durand e Octavia Spencer é ótimo e traz ainda mais pontos positivos à obra.
Com certeza não é um filme de fácil digestão. Mas como sempre, Ryan Coogler dá voz aqueles que não a teriam naturalmente além de deflagar preconceitos e situações absurdas vividas diariamente pelos negros mundo afora.