Crítica | Capote (2005)

“Enquanto você viver, sempre alguma coisa estará à sua espera; e mesmo se for algo ruim, e você souber que é ruim, o que podemos fazer? Você não pode parar de viver” – Truman Capote, A Sangue Frio.

Nascido no dia 30 de setembro de 1924 na cidade de Nova Orleans, nos Estados Unidos, Truman Capote foi um escritor, dramaturgo e roteirista de sucesso, que ficou marcado por escrever alguns clássicos da literatura além de ser pioneiro do gênero de jornalismo literário – algo que é ensinado até hoje nas faculdades de comunicação como um dos movimentos mais inventivos e importantes para a escrita. Uma de suas obras de maior sucesso foi Bonequinha de Luxo (1958), que posteriormente viraria um dos filmes mais icônicos dos anos 60, dirigido por Blake Edwards e estrelado por Audrey Hepburn.

Alguns anos depois, o livro A Sangue Frio (1966) marcaria de vez a carreira do escritor. Inspirado por um artigo do jornal The New York Times, Capote decidiu ir a fundo na investigação e no detalhamento do assassinato da família Clutter, na cidade rural de Halcomb, Kansas – EUA. Após ficar fascinado pela história, o escritor viajou até o local do crime para analisar a casa em que ocorreu o massacre, além de conversar e se aproximar dos vizinhos da fazenda e de todos os envolvidos na apuração policial.

Philip Seymour Hoffman como Truman Capote

No ano de 1959, um massacre na pacata cidade de Halcomb, no interior do Kansas, agitou os Estados Unidos. Os corpos dos quatro membros da família Clutter foram encontrados em sua fazenda demonstrando sinais de grande violência e trazendo uma importante dúvida sobre quem seria o responsável pelo horrível crime. Enquanto isso, na cidade de Nova Iorque, o escritor Truman Capote (Philip Seymour Hoffman) – que vive uma breve pausa criativa após a divulgação de seu último best-seller –  decide escrever sobre o caso após ler um pequeno artigo no jornal The New York Times. 

Logo após sua viagem para a região e o início de suas entrevistas com o xerife, vizinhos e todos aqueles citados no inquérito, Truman descobre que os verdadeiros assassinos foram capturados pela polícia local e levados para uma cela improvisada onde irão aguardar seu julgamento. Sem perder tempo, o escritor prontamente começa uma intensa bateria de entrevistas com a dupla Perry Smith (Clifton Collins Jr.) e Dick Hickock (Mark Pellegrino), autores do horrível crime.

Depois de conviver quase que diariamente com a dupla durante anos, Truman começa a se envolver emocionalmente com o caso e principalmente com Perry, personagem central de sua obra.

Mark Pellegrino e Clifton Collins Jr. como os assassinos Dick e Perry

 

O filme foi baseado na biografia de Capote escrita por Gerald Clarke e conta os desafios do protagonista em na confecção do livro A Sangue Frio. Dirigido pelo americano Bennett Miller, a obra retrata uma pequena parcela da vida de um personagem bastante interessante que cativa por suas características marcantes e por seus métodos de entrevista e de apuração jornalística. Miller acabou se mostrando um especialista em dirigir filmes biográficos nas telonas. Depois de Capote (2005), foi o responsável pelo premiado Moneyball (Moneyball – O Homem Que Mudou o Jogo) (2011) e pelo ótimo Foxcatcher (Foxcatcher – Uma História Que Chocou o Mundo) (2014). 

Aqui, o principal trunfo da obra é, sem dúvidas, a atuação de Philip Seymour Hoffman. Os trejeitos, olhares e expressões faciais que compõe a sua construção de personagem apenas corroboram o argumento de que Philip sempre vive o papel que representa. Uma das perdas mais inestimáveis para o cinema nos últimos anos, o ator ficou conhecido por interpretar de forma admirável pessoas completamente diferentes em filmes de gêneros distintos, o que lhe rendeu quatro indicações ao Oscar, com uma vitória. Seu desempenho aqui é tão sublime que os 114 minutos de uma história contada de forma lenta e sem pressa parecem não pesar tanto quanto poderiam.

O papel lhe rendeu seu primeiro Oscar de melhor ator

Os figurinos e a construção cenográfica são belíssimo e mostram todo o esmero do diretor em reconstruir aquelas cidades americanas do final da década de 50. Inclusive, os fatores sociais que permeavam aqueles anos também estão bastante presentes na história. Os preconceitos latentes e enraizados são retratados em forma de xenofobia, racismo e homofobia. Logo no início, durante a primeira coletiva de imprensa do xerife explicando o crime, um morador local profere, em alto e bom som, a frase: “ouvi dizer que podem ser daquele bando de mexicanos que chegou à cidade”. Em outros momentos, policiais e outros homens que cruzam o caminho de Truman “estranham” o tom de sua voz e a maneira elegante com que se veste.

A trilha sonora puramente instrumental é contida, mas precisa. Nos momentos em que está em Nova Iorque, ritmos animados e de festa vem à tona. Já durante as passagens na pacata cidade de Halcomb, melodias lentas de piano ditam o ritmo da história. O mesmo acontece de forma muito eficiente com a fotografia. Composta majoritariamente por uma paleta de cores frias, sem vida e escuras, o diretor consegue passar o sentimento de solidão, tristeza e melancolia que tomaram conta da região. Em contrapartida, durante o período sabático de Capote na Espanha e nos momentos em que volta para casa em Nova Iorque, cores um pouco mais quentes e com vida tomam conta da tela.

Mesmo com um desenvolvimento raso de alguns personagens secundários, uma falta de envolvimento dramático com Perry e um ritmo bastante lento, a atuação memorável de Philip Seymour Hoffman e a recriação fiel da época transformam Capote (2005) em um ótimo filme biográfico.