Lista: 3 curtas que vi e amei na 11ª edição do Festival Olhar de Cinema

Distinto e distante. Essas duas palavras definem a 11ª edição Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. Sob uma curadoria pautada na diversidade e representatividade, a programação proporcionou um verdadeiro mergulho em diversas facetas da sétima arte com exibições importantes tanto de clássicos quanto de estreias independentes não apenas do Brasil como de variados lugares do mundo, como a Coreia do Sul. Dentro dessa vasta seleção, o festival investiu em obras voltadas para e sobre o universo infantil e familiar, cujas histórias vão além da abordagem lúdica rotineira, e as parábolas que fazem parte dessa fase da vida. 

Dentre as obras selecionadas, três curtas-metragens, dois brasileiros e um sul-coreano, se destacaram pela urgência e primor na construção das suas histórias, desmantelando de uma vez por todas – para quem ainda tinha dúvidas – a ideia de que curtas são somente uma porta de entrada para trabalhos futuros e/ou mais rasos. Eles são e devem ser vistos como criações intransitivas, potentes por si só. Espero que esses três títulos toquem vocês como me tocaram e reafirmem a esperança na humanidade – e no cinema.

O Fundo dos Nossos Corações, de Letícia Leão

Em sua estreia na direção, a carioca Letícia Leão se apresenta com firmeza nas suas escolhas para O Fundo Dos Nossos Corações. O curta, que acompanha a pequena Joana e suas mães, aborda a curiosidade das crianças acerca do nascimento de um bebê dentro de uma família homoafetiva. Depois de uma aula de ciências, Joana começa a questionar sua origem, visto que tem duas mães artistas, e dúvidas e inseguranças surgem no caminho.

Tudo é construído de forma muito singela e ao mesmo tempo assertiva dentro dessa direção muito bem equilibrada entre o universo lúdico – até mesmo das mães artistas – e a seriedade dos questionamentos da criança. O assunto é tratado com a naturalidade que lhe é direito. Em uma sociedade como a contemporânea, onde é mais aceitável uma criança aprender a se proteger de uma arma do que a amar o outro, em todas as suas diversas essências, o trabalho de Letícia Leão é um acalento necessário ao coração de quem deseja um mundo melhor e mais humano. Uma aula para todos nós sobre como o amor é transformador. 

Fileira A, Número 79: Assento Dela, de Hyung-suk Lee

Dirigido por Hyung-suk Lee, o filme Fileira A, Número 79: Assento Dela é uma verdadeira carta de amor aberta ao cinema e ao poder transcendental que ele tem, tanto no sujeito quanto no coletivo – seja ele qual for. A obra, que se passa em plena pandemia na Coreia do Sul, acompanha um pai e uma filha que vão a uma sessão de cinema cuja sala está vazia. O que se vê são duas pessoas que claramente seguem esse prazeroso ritual há algum tempo, de modo que se torna parte deles.

Sem qualquer necessidade de diálogo, o resultado disso, elevado pela direção graciosa e atenta aos pormenores e movimentos, é um filme que não apenas retrata uma relação, mas enxerga os sentimentos e memórias que estão submersos em cada detalhe banalizado e ganham vida ali, na sala escura de um cinema ás moscas.

Sobre Amizade e Bicicletas, de Julia Vidal

Dirigido por Julia Vidal, o filme Sobre Amizade e Bicicletas dá sentido à frase de Gonzaguinha: ”eu fico com a pureza da resposta das crianças”. A história acompanha Thiago, que sofre de uma condição física, e Cecília, uma menina que sofre de algumas limitações na vista. Os dois, depois de sofrerem bullying das crianças do bairro, viram amigos e decidem aprender a andar de bicicleta juntos. Durante os poucos minutos de duração, o espectador é agraciado com dois personagens firmes e intensos na sua infância, cujas trocas são emocionantes em situações simples que tornam-se gigantescas no universo da obra. 

Tratar de assuntos que envolvem qualquer deficiência demanda um certo tato e respeito, e com relação a isso a direção merece todo o mérito. Toda a construção, tanto dos personagens quanto da mise en scène, é voltada para legitimar os dois personagens, sempre colocando-os como protagonistas dessa própria história. Assim como eles se enxergam pela primeira vez, o espectador também direciona mais o seu olhar para estes que são tão subjugados pela sociedade.

*Todos os filmes foram vistos durante a programação online do 11ª Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba.