Nota do Filme:
Desde 2006, dois anos depois do início da trilogia do Corneto – Todo Mundo Quase Morto (Shaun of the Dead) [2004], Chumbo Grosso (Hot Fuzz) [2007] e Heróis da Ressaca (The World’s End) [2013] -, Edgar Wright despontou como o principal interessado em comandar o projeto de transpor a história do Homem-Formiga dos quadrinhos para as telas do cinema. Até então pouco conhecido, o diretor se transformou, aos poucos, em um dos principais nomes do humor alternativo e das sacadas rápidas nas telonas. Por conta disso, a escolha do seu nome para o projeto pareceu bastante acertada – quando paramos para analisar, não existe outra forma para se contar a história de um herói que encolhe e fala com formigas a não ser pelo humor que não se leva a sério.
Porém, a Marvel tem uma maneira muito única e acertada de escolher os diretores para comandar os filmes de seu universo. Para se encaixar de forma perfeita no projeto, o artista deve abrir mão de certas escolhas e marcas pessoais para afinar a sua obra com aquilo desejado para o estúdio, tanto para a película em questão, quando para a continuidade do fio narrativa desenvolvido ao longo de mais de 20 filmes do Marvel Cinematic Universe (MCU). E foi por conta disso, infelizmente (ou não), que o nome de Edgar Wright foi desvinculado do projeto. Lamentado por muitos que estavam curiosos para ver uma história mais autoral no MCU, a sua saída foi amigável, mas motivada por um certo conflito de interesses no decorrer das filmagens.
Mesmo assim, o roteiro escrito por ele e por Joe Cornish anos atrás, foi mantido no trabalho que agora teria o pouco experiente Peyton Reed no comando. Tendo desenvolvido apenas filmes de comédia de menor expressão e de qualidade duvidosa, como por exemplo, Separados pelo Casamento (The Break-Up) [2006] e Sim Senhor (Yes Sir) [2008], o americano deu conta do recado e foi o escolhido, inclusive, para comandar a sequência Homem-Formiga e a Vespa (Ant-Man and the Wasp) [2018], bastante inferior ao original.
Depois de passar um tempo atrás das grades, Scott Lang (Paul Rudd), um especialista em furtos e arrombamentos, precisa arranjar uma forma de conseguir um emprego digno e que pague as suas contas e a pensão de sua filha. Porém, tudo fica mais difícil quando se tem uma ficha criminal. E é aí que entra o trio Luis (Michael Peña), Kurt (David Dastmalchian) e Dave (T.I.), uma equipe que descobre o esquema perfeito: roubar o cofre da casa de um milionário que estará fora da cidade durante o final de semana. Após alguns encontros e desencontros, o caminho de Scott acaba se cruzando com o do Dr. Hank Pym (Michael Douglas) e o de sua filha Hope (Evangeline Lilly), uma dupla de cientistas que guarda um segredo capaz de mudar as guerras como conhecemos hoje.
Após o sucesso estrondoso de Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy) [2014], a Marvel enxergou um enorme potencial nos filmes que misturam ação e humor. E foi com essa sintonia bastante eficiente que Homem-Formiga foi criado. A escolha de um roteiro regado por quebras de expectativa e de um elenco que sabe muito bem trabalhar esse tipo de texto, o 12º e último filme da segunda fase do MCU encontrou a sua maior força. É muito satisfatório ver o entrosamento entre o elenco do núcleo principal e o bom trabalho de Paul Rudd como um herói que não se leva a sério. Por mais que certas piadas já não funcionem tão bem quando assistimos o filme pela segunda vez, a base leve ainda diverte – o destaque absoluto aqui vai para o ator Michael Peña, que rouba a cena em todos os momentos que aparece na tela.
Além disso, o desafio visual vinculado à ideia de criar um personagem que encolhe foi concluído com sucesso. A fotografia e os efeitos visuais são muito bons, principalmente quando o assunto é a perspectiva de inversão das proporções. Quando enxergamos as situações pela visão de Lang usando o traje, vemos gotas d’água se transformarem em meteoros ameaçadores, ratos adotarem o papel agressivo de cachorros e as poeiras invisíveis, tão presentes no ar, parecerem flocos de neve. Somado à isso, a ação frenética proporcionada pelos efeitos de encolhimento funciona muito bem e traz um certo frescor à mesmice com a qual já estamos tão acostumados em filmes do gênero.
Porém, o sucesso da parte visual não se repete no roteiro. Tirando o fato de ter no Jaqueta Amarela (Corey Stoll) um vilão completamente sem carisma e com uma motivação genérica e pouco ameaçadora, as situações, que parecem quase impossíveis num primeiro momento, descambam para saídas rápidas e fáceis, dando a impressão de uma enorme ajuda dos roteiristas para que a história continue a fluir. Tirando o super exagerado Deus ex-machina do final (quando uma solução improvável aparece para solucionar um problema do protagonista), a confiança infundada que certos personagens depositam em Scott Lang incomoda e dá a impressão de que a equipe chega a subestimar a inteligência de seu público.
No fim, Homem-Formiga é um bom filme de origem para um personagem pouco conhecido no universo da Marvel. Além de conseguir construir com eficiência mais uma história calcada no humor, a película também insere elementos muito importantes para a mitologia do universo e para a conclusão de certas questões que aparecerão apenas nos próximos filmes da franquia.