Crítica | Sempre Vivemos no Castelo (We Have Always Lived in the Castle) [2018]

Hoje, quando se trata de gelar espinhas, os espectadores parecem valorizar os picos de pânico e se agitar sobre a questão psicológica. Isso não parou os cineastas que, a cada poucas décadas, revivem as obras da romancista Shirley Jackson. Suas histórias falam com um lado mais sombrio da humanidade. Stacie Passon, diretora de We Have Always Lived in the Castle, canaliza agudamente a atmosfera de pavor, paranoia e isolamento da autora, fazendo com que o passado pareça presciente.Centrado em uma família peculiar, envolta em um ar de mistério gótico, a adaptação de Stacie Passon de We Have Always Lived in the Castle é tão igualmente sinistra quanto desconcertante.

Merricat (Taissa Farmiga), Constance (Alexandra Daddario) e seu tio Julian (Crispin Glover) vivem isolados, banidos pelas pessoas da vizinhança logo após passarem por uma tragédia familiar seis anos antes. Quando um hóspede não anunciado ameaça sua morada, conotações mais profundas por trás da aflição dolorosa da família são reveladas lentamente. Com uma estética fortemente enigmática e uma mensagem subliminar que vai muito além da superfície, We Have Always Lived in the Castle não se trata de uma adaptação usual onde o diretor otimiza sua liberdade criativa. É, no entanto, uma tradução de verdadeira fidelidade a diretora desejou que fosse. Tudo para coincidir com o mundo literário escuro e caprichoso de Shirley Jackson.

Através de um emparelhamento de espetáculos incomuns, os temas de agorafobia e abuso sexual são examinados de perto quando Merricat relata os eventos atormentados que cercam a chegada de seu primo Charles (Sebastian Stan). Tendo sido confinado às quatro paredes de sua luxuosa casa devido aos segredos sombrios da família, o longa brinca com as ideias de ansiedade, tormento, trauma e a ternura e conexão da irmandade que os ajudou a sobreviver. Ligadas pela dor e angústia compartilhadas, as irmãs desta história sentem que o mundo além do jardim está “cheio de pessoas terríveis”.

O roteirista Mark Kruger é parte fundamental para o trabalho de conciliamento com o livro. O trabalho de Jackson é uma história simples, com articulação formal que pode, às vezes, ser lida como um romance para crianças, mas que ainda melhora à eufemismos a Nova Inglaterra dos anos sessenta que revive no papel. Kruger mantém isso – Merricat narra o filme para permitir que as palavras poéticas de Jackson sejam ouvidas – e isso pode levar os que não estão familiarizados com o romance a achar o caso todo frio demais para o cinema. Farmiga recria Merricat como uma garota que, apesar dos dezoito anos, aparece notavelmente mais jovem com suas tranças e expressão de olhos arregalados. É um papel quase parecido com o Rhoda Penmark  (Patty McCormack) em A Tara Maldita (1956), mas com um coração mais sombrio. Farmiga se dirige para a cidade, os olhos procurando como um rato em um labirinto. No entanto, ela é uma garota dependente da superstição inerente às suas definições de bruxaria – martelando livros em árvores e enterrando moedas na esperança de que seus desejos, ou fantasias sombrias, se tornem realidade.

O ofuscamento do filme é notável. A todo momento flerta com a audiência através de dicas e revela, mas nunca explica, a origem da disfunção da família. E é a escolha certa; o filme já expressa algo terrível e escuro que aconteceu, e nossa imaginação pode preencher as lacunas tenebrosas do storytelling ímpar da autora no sangue da adaptação cinematográfica.

É surpreendente a execução mistificadora de Passon dessa adaptação. Os temas que eram intangíveis no texto são bem claros aqui. Enquanto o diálogo extenuante testa a duração do foco de cada ato, sua mensagem predominante – a humanidade é maligna e inerentemente má – e o indício de algo mais enigmático torna o filme muito perturbador ao que naturalmente deveria ser. Créditos disso vão diretamente para o visual, algo que sempre se encontrou na matéria-prima literária de forma a construir novas interpretações de um corredor ou uma janela aberta sob a vida das personagens e da fluidez de um roteiro.

Juntamente com o roteiro, é difícil se livrar da sensação de que esse é um tema de baixo orçamento que exige algo mais. A mansão Blackwood não é tão opulenta e intimidadora como se poderia suspeitar na obra original, e há uma sensação de pequenez em tudo, desde o conjunto de um ou dois interiores mostrados na cidade ou nos dois quartos da mansão que são filmados. E enquanto Farmiga, Daddario e Stan trabalham, é difícil não pensar sobre o que um orçamento maior e um elenco de primeira série poderiam realmente ter feito com esse material.

We Have Always Lived in the Castle mostra o talento de Stacie Passon, e tanto Farmiga quanto Daddario são exemplares em papéis que seriam difíceis de traduzir para fora da página. Mas a falta de um significativo senso de prestígio associado ao material deixa o filme se sentindo como um filme medido para a televisão com 90 inocentes minutos, quando poderia se alongar muito mais do que apenas a pressa que leva.