Crítica | Vida Selvagem (Wildlife) [2018]

Nota do Filme:

Vida Selvagem acompanha a família Brinson, composta pela Jeanette (Carey Mulligan), Jerry (Jake Gyllenhaal) e seu único filho, Joe (Ed Oxenbould), de apenas 14 anos. Após perder seu emprego, o patriarca da família luta para reencontrar significado na própria existência, motivo pelo qual aceita o chamado para combater um incontrolável incêndio que se aproxima cada vez mais de sua cidade.

Desse modo, mãe e filho se veem sozinhos, fazendo com que Joe tenha que amadurecer rapidamente e ajudar na casa. Ao mesmo tempo, Jeanette encontra grandes dificuldades em manter a cabeça erguida, questionando não apenas seus sentimentos para com Jerry mas, também, a sua própria razão de ser.

Baseado no romance de mesmo nome do escritor Richard Ford, Vida Selvagem é o conto de um jovem rapaz que é forçado a testemunhar a implosão de seu núcleo familiar sem, contudo, ter as ferramentas emocionais necessárias para lidar com a situação. Tem-se, então, um filme mais contido, permeado de nuances, que marca uma excelente estreia para Paul Dano na função de diretor.

O longa é rápido em contextualizar o lar de Joe como o de uma típica família norte americana da época – década de 60. Seu pai provê o seu sustento com um emprego em um campo de golfe, no qual cuida da manutenção dos gramados e atendimento aos clientes. Sua mãe, que já chegou a exercer a profissão de professora substituta em um colégio, cuida da casa e o ajuda, quando necessário, com as tarefas escolares.

É um cenário conhecido, motivo pelo qual a sua lenta deterioração tem o impacto necessário no espectador. Isto porque, por mais que Jerry não tenha um emprego glamouroso, a sua facilidade no trato pessoal e otimismo inerente fazem com que seja benquisto pelos frequentadores do local, mantendo uma boa relação e um padrão de vida, de um modo geral, aceitável. Ao mesmo tempo, a audiência nota como o personagem sustenta a própria auto-estima em seu ofício, de modo que, ao ser demitido, sente de maneira imediata o impacto em sua vida pessoal. Seu ego ferido, ainda, impede que faça os sacrifícios necessários em uma situação como a passa.

Simultaneamente à perda de identidade de seu pai, Joe nota uma mudança de atitude por parte de sua mãe, sobretudo quando ele, eventualmente, deixa a residência para combater o incêndio que, lentamente, ameaça a sua cidade. Dessa forma, Jeanette se vê forçada a assumir as rédeas da família, contrastando com o papel que se espera de uma esposa da época. Ainda, sua decepção com a partida do marido a fazem passar por um processo de autodescobrimento que, até então, não havia ocorrido.

A narrativa mantém seu foco em Joe, ou melhor, na sua percepção do conflito pelo qual o casamento de seus pais passam. Como reflexo, o filme conta com uma fotografia sóbria, de modo que há pouca vida nos cenários nos quais os personagens habitam. A escolha da locação do longa, qual seja, o estado de Montana, ao norte do país já próximo ao Canadá, contribui para essa sensação de falta de atividade. Isto é, tem-se a sensação de um clima perpetuamente frio, que quase transmite desesperança. Todos esses fatores demonstram expertise por parte do estreante Paul Dano, o que faz com que seja um nome a ser acompanhado.

Justamente por ser uma obra mais contida, depende imensamente de boas atuações para se manter interessante. Felizmente, conta com um elenco inspirado. Carey Mulligan tem, provavelmente, a melhor performance de sua carreira. A sua entrega a um papel que, a princípio pode parecer simples, o preenche de importantes camadas e, rapidamente, surpreende o espectador. Jake Gyllenhaal, mais acostumado a papéis de destaque, mantém a qualidade, a despeito de seu pouco tempo de tela. Por fim, Ed Oxenbould fornece a inocência necessária ao seu personagem, que, com poucas reações, transmite à audiência tudo que ela precisa sentir.

Dessa forma, Vida Selvagem é um excelente conto acerca da deterioração do núcleo familiar de um jovem rapaz. O roteiro adaptado impressiona pela sua sobriedade, ao mesmo tempo que o comando do iniciante diretor ajuda a elevar os aspectos técnicos. Considerando-se as boas atuações dos envolvidos – destaca-se, novamente, o excelente trabalho Carey Mulligan –, bem como o seu final perspicaz e sensível, o resultado é um filme simples e objetivo mas que, nem por isso, perde sua importância.

Filme visto durante o 20º Festival do Rio, em novembro de 2018