Crítica | Utøya 22 de Julho – Terrorismo na Noruega (Utøya) [2018]

Nota do Filme :

Utøya 22 de Julho – Terrorismo na Noruega acompanha um dos dias mais sombrios da história recente do país. No dia 22 de julho de 2011, um militante de extrema-direita detonou uma bomba em Oslo, junto aos prédios onde se situa o gabinete do primeiro-ministro da Noruega. Poucas horas depois, se passando por policial, o mesmo indivíduo abriu fogo contra um acampamento de jovens organizado pela juventude do Partido Trabalhista Norueguês na ilha de Utøya, a 40km da capital. No local, foram 77 mortos, 99 feridos e mais de 300 sofreram graves traumas psicológicos.

Trata-se de uma temática que demanda extrema sensibilidade por parte dos envolvidos. Isto porque é um caso que deve ser divulgado para que nunca se repita mas, ao mesmo tempo, o modo como é feito deve respeitar as vítimas e não conferir excessiva publicidade ao atacante, para que não se torne incentivo a novos incidentes. Felizmente, o diretor Erik Poppe tem completo controle da narrativa, o que impede qualquer má-interpretação de seu filme.

Nesse sentido, Utøya 22 de Julho – Terrorismo na Noruega segue Kaja (Andrea Berntzen), que, junto de sua irmã Emilie (Elli Rhiannon Müller Osbourne) e os amigos Petter (Brede Fristad), Caroline (Ada Otilde Eide), Kristine (Ingeborg Enes Kjevik), Oda (Jenny Svennevig) e Issa (Sorosh Sadat), integrava o referido acampamento. Desde já se ressalta que, a despeito de se tratarem de personagens fictícios, suas histórias foram baseadas nos relatos dos sobreviventes ao ataque, o que confere autenticidade à obra.

Filmado em apenas uma tomada [1], a câmera acompanha a protagonista de maneira constante, quase como uma integrante do roteiro, o que faz com que a imersão do espectador seja não apenas instantânea, como intensa  e inquietante. Trata-se de uma escolha técnica arriscada, uma vez que é um meio termo entre o estilo de filmagem tradicional e o chamado found footage, que, nos anos recentes, foi utilizado quase à exaustão, o que acabou por desgastá-lo. O risco, contudo, valeu a pena, uma vez que tais sensações demandam uma abordagem mais intimista.

Justamente por isso, inclusive, o atirador é somente um vulto, apenas discernível. Seu rosto em momento algum é mostrado, uma vez que tudo acontece do ponto de vista de suas vítimas. Tal escolha de Erik Poppe é correta não apenas do ponto de vista narrativo, mas também de um ponto de vista moral, uma vez que evita a publicidade do real criminoso, diminuindo o poder de convencimento para a sua causa distorcida.

Nessa seara, outro ponto digno de destaque é o uso do som para criar e transmitir tensão. Uma vez que se trata de uma ilha, há poucos lugares nos quais a protagonista pode se esconder, de modo que deve se manter em constante movimento. Ao mesmo tempo, por se tratar de uma situação de perigo, está extremamente ciente dos próprios ruídos, sempre amplificados. Andar de forma mais silenciosa parece um desafio impossível, terror que é perfeitamente perceptível à audiência. Ainda, o diretor utiliza o barulho dos disparos como indicador da posição do atirador, aumentando o desespero à medida que o estampido se aproxima.

A atuação no longa é sólida, sobretudo de Andrea Berntzen que, inclusive, no Festival Internacional de Cinema da Noruega, recebeu o Prêmio Amanda de Melhor Atriz. Uma vez que é acompanhada pela câmera de maneira constante, sua boa performance é imprescindível à qualidade da obra. Felizmente, está à altura do desafio e entrega um trabalho consistente.

Sendo assim, Utøya 22 de Julho – Terrorismo na Noruega é um importante filme de 2018, especialmente quando se considera o aspecto político mundial atual. Isto porque tem como foco um trágico evento recente da história norueguesa e busca, assim, trazer mais atenção à problemática pela qual o continente europeu – e o mundo – passa. Com a crescente de movimentos de extrema-direita nacionalistas, o passado pode ser um importante aliado na desconstrução de discursos violentos.

Filme visto durante o 20º Festival do Rio, em novembro de 2018

[1] Há momentos nos quais podem ter ocorrido cortes. Contudo, segundo o diretor Erik Poppe, foram filmadas, ao todo, cinco tomadas completas do filme, em cinco dias consecutivos, e a escolhida foi a do quarto dia.