Crítica | Distúrbio (Unsane) (2018)

Stalker é uma palavra inglesa que significa perseguidor. Tal expressão remete diretamente a alguém que incomoda, de forma constante, insistente e obsessiva, uma outra pessoa por meio de mensagens, ligações, ameaças e até mesmo agressões verbais e físicas. De acordo com informações presentes no portal do Centro Nacional para Vítimas de Crimes, somente nos EUA, 7,5 milhões de pessoas são vítimas de stalkers anualmente. Com esses números em mente, estima-se que 15% das mulheres e 6% dos homens sofreram com esse mal no decorrer de suas vidas. Algumas decorrências de tal trauma podem levar a constantes inseguranças e paranoias, depressão, impotência, medo e distúrbios alimentares e emocionais. No cinema, diversas obras sobre o tema foram criadas no decorrer dos anos, abordando de formas diferentes um assunto delicado, mas que não chega a ter a sua devida importância reconhecida. Misery (1990) (Louca Obsessão), Cape Fear (1991) (Cabo do Medo) e One Hour Photo (2002) (Retratos de uma Obsessão), são apenas alguns exemplos de como a sétima arte enxergou o assunto.

No início de 2018, Steven Soderbergh foi mais um a dar voz ao tema, dessa vez de uma forma um pouco diferente das demais. Conhecido pela trilogia dos Onze Homens (2001, 2004 e 2007), por Contágio (2011), Magic Mike (2012), e pelo mais recente Logan Lucky (2017), o diretor fez o primeiro filme de suspense/horror de sua carreira. Em UnsaneSoderbergh optou por filmar toda a película utilizando apenas a câmera de seu iPhone 7 Plus. Isso, claro, trouxe muitos holofotes e expectativas sobre a obra. A necessidade de tal recurso pode ser bastante questionada, visto que no decorrer da experiência, abstraímos completamente tal fator. Pode-se argumentar também, que é um recurso estilístico desnecessário para um diretor tão famoso, parecendo até uma certa pretensão em fazer algo de uma forma mais “difícil e original” do que já é feito diariamente na indústria. Porém, vejo a questão sob um prisma mais otimista: tal produto do esforço de Soderbergh pode provar para os amantes de cinema e para os aspirantes a profissionais da área, que apenas uma câmera e uma boa ideia podem fazer um grande filme.

Sawyer Valentini (Claire Foy) é uma funcionária de um escritório bancário que passa por estresses diários por conta de seus clientes. Para piorar, o assédio no local de trabalho e nas ruas atormenta a sua vida. Como se já não fosse o suficiente, a jovem sofreu, durante dois anos, com um assediador que a perseguia e a incomodava, fazendo com que visse a necessidade de se mudar para uma cidade completamente diferente para tentar seguir com sua vida. Porém, alucinações e crises de pânico a levaram a procurar ajuda em um hospital psiquiátrico. Depois de assinar, sem ler, diversos formulários que comprovavam a ameaça à sua própria saúde proveniente de estímulos suicidas decorrentes das crises, Sawyer é internada no local, ficando em observação de profissionais até que seu estado mental e físico melhore. Entretanto, durante sua turbulenta estadia, a jovem alega, com veemência, que o seu abusador está se disfarçando como um dos enfermeiros do hospital.

Nos quesitos técnicos, o filme é muito competente. Diversos planos de imagem inventivos são usados. A câmera muda constantemente de direção e de posição, imitando em muitos momentos, a visão de um stalker sobre sua vítima (atrás de moitas, árvores, paredes, etc). No início da obra, os takes escolhidos pelo diretor retratam bem a solidão da personagem, além de sua resistência em abraças a sua situação e o caos à sua volta. Os arranjos sonoros são bem afinados com o visual, criando situações de extremo desconforto, trazendo um sentimento ruim para o público. Em muitas cenas, as recaídas mentais e emocionais de Sawyer são mostradas e montadas com imagens distorcidas e sem muito sentido, acompanhadas de sons estridentes e ruídos.

Claire Foy, conhecida por seu papel de protagonista na série The Crown, dá um show a parte. Criamos uma simpatia com sua personagem mesmo sabendo de todas as suas falhas de caráter. O desespero em seus olhos no início, é angustiante. No desenvolvimento da obra, a personagem acompanha a crescente e ganha cada vez mais força na tela. Vale destacar também as ótimas presenças de Juno Temple, que vive uma das “companheiras” de Sawyer no confinamento do hospital psiquiátrico, e Joshua Leonard, que interpreta um dos enfermeiros e que deixa sempre em dúvida as suas reais intenções e emoções no decorrer dos acontecimentos.

Infelizmente, o roteiro não segue o nível dos fatores apresentados anteriormente. Com uma história que lembra, e muito, os ótimos filmes Creep (2014), Creep 2 (2017) e 3096 Days (2013), Unsane beira o familiar. A retratação do personagem que persegue a protagonista já é batida, seguindo o clichê de uma pessoa “boa”, que é muito querida por todos à sua volta e tenta fazer de tudo para “ajudar” a sua vítima. Além disso, em diversos momentos a obra flerta com o machismo (o fato de ser dirigida e roteirizada apenas por homens contribui muito para isso) sugerindo que os homens podem ser vítimas do comportamento instável e agressivo de Sawyer, além de “brincar” com o fato de a personagem oferecer favores sexuais em troca de uma ajuda interna para amenizar a sua situação.

No geral, Usane é um filme muito bom, que não é original em seu roteiro mas surpreende em sua confecção. Com uma atuação central de Claire Foy que merece destaque, o filme é um bom indício de que o diretor Steven Soderbergh pode fazer algo diferente do que já estamos habituados a vê-lo fazendo.