Crítica | Um Lugar Bem Longe Daqui (Where the Crawdads Sing) [2022]

Nota do filme:

Fez toda a diferença ter mulheres por trás da produção de Um Lugar Bem Longe Daqui. Escrito pela americana Delia Owens, o best-seller que vendeu mais de duas milhões de cópias e originou o filme que estreia na quinta-feira (01/09) tem como protagonista uma jovem mulher livre, em todos os sentidos da palavra. Abandonada pela família ainda criança, Kya cresce sozinha em meio à natureza, aprendendo tudo o que pode sobre aves e insetos e fugindo de qualquer contato com a população preconceituosa de Barkley Cove. Isso porque são muitas as gaiolas onde lutam para aprisioná-la, principalmente homens, tudo porque não entendem seu direito de ir e vir, seu modo de viver liberto e descomplicado. Só mulheres conseguiriam adaptar essa história para o cinema sem julgamentos, e essa é a principal virtude de Um Lugar Bem Longe Daqui.

Através de sua produtora Hello Sunshine, Reese Witherspoon comprou os direitos de adaptação, colocou Lucy Alibar (de Indomável Sonhadora) no roteiro e Olivia Newman (de Minha Primeira Luta) na direção, completando o time com a recente estrela Daisy Edgar-Jones. É com muita sensibilidade que conseguem captar a essência de Kya, os eventos do passado que a tornaram reclusa, sua solidão, por vezes, dolorosa e todo o amor pela natureza que a rodeia. Na teoria, é um longa que tem tudo para dar certo, mas alguns deslizes prejudicam a experiência, que se torna confusa e até um pouco maçante.

Daisy Edgar-Jones e Taylor John Smith em cena de Um Lugar Bem Longe Daqui (2022).

Logo nas primeiras cenas de Um Lugar, ambientado em 1969, ficamos sabendo da morte de Chase Andrews (Harris Dickinson), um dos jovens mais conhecidos e ricos da cidade. A polícia logo suspeita de assassinato e aponta Kya (Daisy Edgar-Jones) como principal suspeita. A jovem é presa e vai a julgamento, em parte porque fios de lã de seu gorro foram encontrados na camisa de Chase, em parte porque parece óbvio que a “Menina do Brejo”, como é conhecida, foi a responsável pelo crime. A partir daí, o filme intercala entre diversos tempos narrativos para contar quem é Kya e como seu nome foi associado de forma tão assertiva ao crime.

Felizmente, não é apenas por conta do drama de tribunal que Um Lugar foge das adaptações genéricas de algumas das centenas de livros de Nicholas Sparks. A visão feminina sobre a história faz diferença e impede que enxerguemos a protagonista apenas dentro de seus relacionamentos amorosos. Desde muito cedo ela presencia a violência e a falta de afeto por parte da família, aos poucos entendendo os motivos que fizeram com que todos a abandonassem. O filme consegue desenvolver bem o arco dramático da personagem, abordando a violência de maneira muito eficaz, deixando o espectador genuinamente interessado pela história.

Por outro lado, o mesmo não se pode dizer da metade do filme que se passa no tribunal. A escolha de revelar aos poucos o que houve entre Kya e Chase é justa, pois, querendo ou não, desperta a curiosidade. Porém o tiro sai pela culatra e o filme acaba não conseguindo sustentar o arco do assassinato sem dar ao público o contexto por trás de tudo. Com receio de revelar demais antes da hora, ele acaba entregando indícios sem qualquer importância e provas absurdas apenas para reafirmar que a condenação de Kya seria puro preconceito. Não faz nenhum sentido que ela seja presa e não dê sequer um depoimento, nem na delegacia, nem no próprio julgamento. São incoerências demais para sustentar um suspense, que, quando finalmente alcança sua grande revelação, termina perdendo bastante impacto.

Daisy Edgar-Jones em cena de Um Lugar Bem Longe Daqui (2022).

A transição entre estes dois momentos da história também não é muito bem conduzida. Quando o filme deixa a vida pessoal de Kya e passa ao desenrolar do julgamento, temos a impressão de que se tratam de duas histórias diferentes. A falta de contexto prejudica muito a narrativa e chega a dar impressão que um roteiro linear, ainda que mais tradicional, pudesse favorecer a condução da trama. Mas a verdade é que Um Lugar faz uma boa escolha narrativa, seu erro foi não ter focado o suficiente em desenvolver os outros personagens ao invés de pensar apenas em sua protagonista. Eles apenas a orbitam quando, na verdade, poderiam potencializar a história da própria Kya.

Um Lugar Bem Longe Daqui possui uma história interessante e com muito potencial, porém é mal conduzida a ponto de prejudicar boa parte do que tem de bom e relevante. É um filme que deve agradar quem gosta de romances mais old-school, no estilo Nicholas Sparks, porém com a diferença de que consegue abordar com propriedade os sentimentos e temáticas que envolvem as vivências femininas. Infelizmente isso não é o bastante para que ele sustente como deve um drama de tribunal. A condução desta parte é apressada, não é bem conectada ao enredo principal e, sem o contexto adequado, torna-se vazia e desinteressante. Ainda é uma boa experiência, mas fica a sensação de que poderia ser melhor.