Crítica | Um Lindo Dia na Vizinhança (A Beautiful Day in the Neighborhood) [2019]

Nota do filme:

Um Lindo Dia na Vizinhança é baseado no artigo “Can You Say … Hero?”,  do jornalista americano Tom Junod, da Revista Esquire, sobre Fred Rogers (Tom Hanks). O Mister Rogers foi o criador do Mister Rogers’ Neighborhood, um programa infantil de TV muito popular na década de 1960, nos Estados Unidos. Duas vezes vencedor do Oscar, Tom Hanks estampa as campanhas publicitárias do filme, podendo causar confusão em quem assiste em busca do protagonismo do ator ou da exposição da série de TV.

Na verdade, o longa se ampara no artigo de Junod para contar a história de Lloyd Vogel (Matthew Rhys), um cético jornalista investigativo que aceitou, relutantemente, escrever um breve texto sobre Rogers para acompanhar a foto do apresentador na revista Esquire, em uma matéria sobre heróis e pessoas inspiradoras. Ocorre que durante as entrevistas, Vogel se surpreende pela tamanha complacência de Rogers e fica intrigado com a personalidade pitoresca do entrevistado.

Tom Hanks interpretou Mister Rogers com um cinismo proposital capaz de despertar no público o interesse em desvendar e conhecer profundamente o personagem. O que podia ser simulação de caráter aos poucos se revela como uma gentileza genuína e o carisma de Hanks facilita a compreensão da hombridade de Rogers. Com a aproximação deste, a mudança na vida de Lloyd é palpável, ele amadurece e passa a enxergar outros com empatia. A amizade entre os dois avança lentamente e o que seria uma matéria para traçar o perfil do apresentador torna-se um grande e inspirador artigo.

O longa se vale da recente paternidade do protagonista para tratar desse tema com sutileza, mostrando o óbvio: que as obrigações com a criança não são apenas da mãe. Também ensina sobre o perdão, mostrando que por mais difícil que seja perdoar o ofensor, pode ser libertador para o ofendido, melhor do que manter uma raiva dentro de si, como no momento em que a personagem Joanne Rogers (Maryann Plunkett) diz que “a pessoa pode escolher como responde à raiva, fazendo coisas todos os dias que a ajudam”.

Em uma passagem se denota a mensagem acerca da importância de um jornalismo imparcial e da relevância da mídia para a sociedade, como quando Rogers diz que “as revistas estão sempre cheias de informações interessantes”. A obra parte da premissa de que o jornalista pode mudar o mundo com suas palavras. Toda história tem pontos de vista e cabe ao detentor da notícia o dever de transmitir com honestidade e sem conferir juízo de valor às informações. Dessa forma, Vogel precisou se despir de seus próprios “demônios” para falar aberta e sinceramente sobre o amigo no artigo objeto do filme.

Com vários temas, a trama é pretensiosa em tentar abordar paternidade, perdão, igualdade de gênero, autoconhecimento, amizade e, até mesmo, o papel da imprensa na sociedade. No entanto, apesar da ampla abordagem temática, as mensagens são passadas de forma orgânica, com alguma sutileza. Deve-se reconhecer, contudo, que o enredo não consegue fugir de clichês, como as cenas do relacionamento conturbado de Vogel com o pai, Jerry (Chris Cooper), que facilitam o desenvolvimento da narrativa para apelar para o melodrama, mostrando que o perdão leva à redenção.

A película funciona como um episódio adulto do Mister Rogers’ Neighborhood, tendo como consequências algumas cenas tediosas que seriam facilmente descartadas. Lembra, também, uma sessão de terapia, não apenas para Vogel, mas, sobretudo, para o público, que, com direito a ruptura da quarta parede, é convidado a refletir acerca de seus sentimentos latentes e tem a oportunidade de aprender sobre como externar suas sensações. É uma obra que vagueia pelas emoções sem ser sentimentalista ou muito piegas, consegue sensibilizar e confortar o espectador.

Um Lindo Dia na Vizinhança estreia em 23 de janeiro de 2020 no cinema.

Direção: Marielle Heller | Roteiro: Micah Fitzerman-Blue, Noah Harpster | Ano: 2019 | Duração: 107 minutos | Elenco: Tom Hanks, Matthew Rhys, Chris Cooper, Susan Kelechi Watson, Maryann Plunkett, Enrico Colantoni, Wendy Makkena, Tammy Blanchard, Noah Harpster, Carmen Cusack, Kelley Davis, Christine Lahti, Maddie Corman, Daniel Krell, Jon L. Peacock, Gretchen Koerner, Gavin Borders, Mark August, Tressa Glover, Jessica Hecht, Di Zhu.