Crítica | Tolkien (2019)

Nota do Filme:

A poeira dificultava a visão no meio da batalha. Cavalos corriam de um lado para o outro e tornavam ainda mais difícil transitar pelo mar de lama. Os corpos no chão, rendidos, os gritos de pavor e o ranger das espadas; cada ruído parecia mais estridente que o normal.  Através da nuvem de poeira era possível enxergar gigantes e dragões. Uma luz vermelha cintilava em meio a paisagem caótica. Aquela luz poderia ser fruto da mágica de alguma bruxa, ou, quem sabe, das fadas. Porém, era bem mais simples que isso: se tratava de visões causadas pela febre de trincheiras. A batalha era, na verdade, a Primeira Guerra Mundial. Os dragões e os gigantes eram frutos da imaginação de John Ronald Reuel Tolkien,  jovem soldado apaixonado por histórias de fantasia.

Muito diferente de O Senhor dos Anéis (2001) ou O Hobbit (2012), o filme que fala sobre a vida do autor dessas obras passa longe da fantasia. Dirigido por Dome Karukoski, Tolkien (2019) divide a história em dois principais eixos narrativos; passado e presente. E por meio de flashbacks que se torna possível viajar no tempo para a Inglaterra do final do século XIX até o início do século XX. Dessa forma, sem ser confuso ou pedante, o roteiro perpassa a infância pobre do escritor, a chegada à Universidade de Cambridge, e a participação na Guerra.

Assim, acompanhamos a mudança da família de Tolkien (Nicholas Hoult), que sai  de uma vila com paisagem estonteante no interior para a cidade de Birmingham. É lá que conhece Edith (Lily Collins), seu grande amor, e os melhores amigos Geoffrey (Anthony Boyle), Robert (Patrick Gibson) e Christopher (Tom Glynn-Carney). Nesse sentido, apesar de mostrar a intrigante vida da elite na Inglaterra, o longa destaca os momentos da adolescência e juventude do autor, em que descobertas são feitas por meio de amizades e relações familiares. Ele nunca esteve totalmente sozinho, mesmo se tornando órfão ainda muito jovem.

Ainda, por mais que permaneça na zona de conforto da maioria de filmes biográficos sobre pessoas cujo fim da história é um sucesso, Tolkien surpreende ao apresentar uma nova perspectiva da vida do protagonista. Não há um foco, por exemplo, em sua religiosidade, mesmo que exista a presença de um padre que é como um tutor para o rapaz. Talvez isso não agrade os fãs mais chegados que esperam uma história “ao pé da letra”, porém, o longa é cheio de diálogos e referências visuais às obras mais famosas do escritor. Assim, fica fácil entender como surgiram personagens tão fascinantes e como J. R. R. Tolkien acabou se tornando um dos maiores escritores de fantasia de todos os tempos.

Desde os momentos sufocantes das trincheiras, até as cenas de pura leveza da descoberta do grande amor na adolescência,  Dome Karukoski consegue mostrar os dois lados de uma vida cheia de aventuras, tanto boas quanto ruins. Apesar de adotar uma perspectiva realista, por vezes o filme cai no clichê da “romantização”, mas é impossível não identificar alguma mágica na trajetória do escritor.