Crítica | Todos os Homens do Presidente (All the President’s Men) [1976]

Na primeira emenda à Constituição dos Estados Unidos, há um trecho que se refere à liberdade de imprensa. Lá, fica claro que nenhum poder poderá restringir o trabalho jornalístico, caso esteja de acordo com as demais leis do país. A importância dos jornais em solo estadunidense é reconhecida pelo próprio congresso, e esse respeito tem contribuído para a construção democrática da nação mais poderosa do mundo. Não à toa, o caso Watergate, que ocupou manchetes ao redor do globo em 1972, foi fundamental para derrubar um presidente da superpotência. Quatro anos depois, Hollywood decidiu adaptar o escândalo para as telas do cinema. Como resultado, gerou um manual audiovisual para o jornalismo, além de entregar uma obra que não será esquecida tão cedo nas prateleiras da 7° arte.

O encarregado por conduzir a adaptação foi o diretor Alan J. Pakulo, que já tinha no currículo dois suspenses policiais: A Trama (1974) e Klute – O Passado Condena (1971). Entretanto, nenhum deles havia chamado muito a atenção do público e da crítica. Contudo, pela experiência em retratar tramas envolvendo investigações e conspirações, acabou ganhando a chance de recontar uma das histórias políticas mais famosas do país.

Baseado em acontecimentos reais, Todos os Homens do Presidente trata de narrar toda a saga da investigação que derrubou o então presidente Richard Nixon. Sob a perspectiva de dois repórteres do jornal Washington Post, Bob Woodward (Robert Redford) e Carl Bernstein (Dustin Hoffman), o filme inicia com a invasão à Sede do Partido Democrata, realizada por homens misteriosos. Com a ajuda de uma fonte desconhecida, os jornalistas começam a seguir pistas que os levam até funcionários da Casa Branca, iniciando uma jornada que pode custar suas vidas.

O núcleo principal, formado por Bob, Carl e o editor-chefe Ben (Jason Robards), é o motor da trama. As características dos dois jornalistas que investigam o caso se completam. Bob é um sujeito cauteloso e é quem conhece a fonte anônima primordial no caso, enquanto Carl se arrisca mais e faz de tudo para arrancar informações dos entrevistados, além de possuir um texto melhor. Um é dependente do outro. Já o personagem de Ben, é quem toma a decisão final e divide as tarefas. Sua função é ser um mentor para os dois, aconselhando em momentos pontuais ao longo dos 138 minutos do longa. Por conta desse equilíbrio entre os três, há uma dinâmica que deixa a narrativa mais divertida.

A redação do Washington Post é um personagem à parte. Mostrada constantemente, o lugar simula a rotina dos grandes jornais: funcionários correndo de um lado para o outro antes do fechamento do dia, telefones que não descansam no gancho, máquinas de escrever a todo vapor, livros e cadernos espalhados pelas mesas. Tudo colabora para um ar realista.

O trabalho dos profissionais vai desde o primeiro contato com as fontes até a produção do texto, passando pelos principais processos aprendidos na teoria da profissão. Assim, há uma apresentação sobre os desafios diários da imprensa, mostrando quer ser jornalista é algo mais complexo do que o senso comum pensa.

A construção da tensão do filme também consegue funcionar bem. Conforme a investigação vai avançando, o clima vai ficando mais pesado. Cada pista vai levando os investigadores para mais próximo do abismo, revelando suspeitos cada vez mais importantes dentro do governo. A evolução do perigo é nítida e constante, chegando ao ápice nas últimas cenas. Assim, não há quebra de ritmo.

Muito desse mérito da fluidez da história se deve à mão do cineasta Pakulo. Em cenas de tensão, os planos fecham nos rostos dos atores da cena, deixando o espectador sem saber o que se passa ao redor. Nessas situações, o ambiente também é exibido com pouca luz (geralmente nas cenas nas quais alguma fonte revela algo novo para o caso, sugerindo que algo ruim pode acontecer em seguida, devido à revelação). Por fim, também há um trabalho com o som. Para agravar o suspense, uma trilha incômoda é deixada como plano de fundo ou, simplesmente, há um silêncio total, no qual qualquer ruído pode significar um perigo eminente.

Falando em som, o filme também usa ele para fortalecer ideias não tão explícitas. Em uma cena específica, o barulho das máquinas de escrever se mistura com o estrondo de canhões exibidos em uma TV. Após dominar a atenção do público, o ruído se transforma em tiros de metralhadoras, fazendo uma analogia ao poder das palavras do jornal, capazes de fazer vítimas.

Por se tratar de um fato histórico, o longa também faz questão de relembrar situações marcantes, como o discurso de Nixon, realizado durante a investigação. Em dado momento, o monólogo do político (o verdadeiro) é exibido em uma tela em primeiro plano, enquanto os jornalistas escrevem ao fundo, dando um toque a mais na veracidade dos acontecimentos do filme.

Desde o clássico Cidadão Kane (1941), o cinema não via uma obra sobre jornalismo tão inspiradora e poderosa como Todos os Homens do Presidente. Além de ser um periscópio sobre a profissão, a criação de Pakulo se sustenta tecnicamente, servindo de base para longas posteriores, como Spotlight: Segredos Revelados (2015) e o recente The Post (2017).

Revisitando o clássico, que pode ser considerado a epopeia do jornalismo, relembramos o papel do setor na democracia, função que vem enfraquecida nos últimos anos, embora vital em tempos de eleições e proliferação de fake news. Talvez  seja essa a inspiração para a força que os comunicadores precisam.