Crítica | Todo Mundo Quase Morto (Shaun of the Dead) [2004]

Nota do Filme:

Diretor, roteirista e produtor. A versatilidade de Edgar Wright vai além de suas atribuições dentro dos filmes. No decorrer de sua carreira, transitou entre curtas metragem, longas e até mesmo por clipes musicais sem nunca perder o seu estilo próprio. Cortes dinâmicos e precisos, gags visuais que realmente tem algo a dizer e uma sintonia perfeita entre a trilha sonora e a história a ser contada. Mesmo que refinadas de trabalho em trabalho, tais características sempre estiveram presentes desde suas primeiras obras. Os clipes musicais Bastardo (2005) e Psychosis Safari (2003) e o curta Mint Royale: Blue Song (2003) são bons exemplos disso. Esse último, inclusive, serviu de inspiração para a história de Baby Driver (2017), um de seus maiores sucessos.

A onda de pequenos trabalhos se encerrou com o lançamento do filme Shaun of the Dead (2004), obra inicial da trilogia do Cornetto e marco primário de uma carreira que despontaria para o sucesso anos depois. Tal sequência de filmes, inclusive, não tem uma continuidade narrativa, por mais que sejam representados sempre pelo mesmo conjunto de atores e levem consigo uma certa dose de humor. Em 2007, Nick Frost e Simon Pegg viveram um dupla de policiais em Hot Fuzz, filme que mistura comédia e ação. Nove anos depois, em The World’s End (2013), os mesmos atores encerrariam o ciclo com uma mistura de ficção científica e uma porção de momentos engraçados.

Lucy Davis, Kate Ashfield, Dylan Moran, Simon Pegg, Penelope Wilton e Nick Frost

Shaun (Simon Pegg) é um vendedor de uma loja de televisões que vive uma vida simples e pacata. Sua rotina se baseia em trabalhar, jogar vídeo-game com o seu melhor amigo e companheiro de quarto, Ed (Nick Frost), e sair com sua namorada Liz (Kate Ashfield) e seu grupo para o mesmo bar que vai praticamente todos os dias durante anos, o Winchester. Impulsionado por diversas discussões sobre seu relacionamento e por um estranho acontecimento situado em Londres, Shaun se vê obrigado a sair de sua zona de conforto para não perder tudo aquilo que mais ama e valoriza.

A essência do filme está baseada em uma crítica caricata do comportamento pessoal da sociedade. Mesmo no longínquo ano de 2004, as pessoas já se importavam muito mais com sua regrada rotina do que com o que estava à sua volta. As distrações cotidianas, seja em uma tela de celular ou em um mero jornal, foram elevadas à enésima potência para aumentar ainda mais o impacto dos eventos absurdos que se multiplicam no decorrer da película.

Simon Pegg, Nick Frost e o Cornetto, presente em todos os filmes da trilogia

Por mais que tenha situações regadas a piadas – muitas vezes adolescentes demais – e a um gore de impor respeito, a mágica do filme está nos detalhes. Desde o início, o que mais vale é prestar atenção no ambiente que rodeia os protagonistas – é comum ver cenas engraçadas ao fundo e até mesmo complementares à mitologia daquele criativo universo imaginado por Edgar Wright. Inclusive, citando novamente o diretor, a edição rápida e afiada, cheia de estilo próprio, e a trilha sonora que parece fazer parte da narrativa de forma orgânica, constroem a identidade visual da obra.

Outro fator muito importante por aqui são as referências. É clara a fonte primária para construção do ambiente visto em Shaun of the Dead. Como se fossem saídos diretamente de Night of the Living Dead (1968), os zumbis são lentos, possuem uma certa coreografia de movimentos e quebram janelas de forma a deixar George Romero bastante orgulhoso. Além das referências aos clássicos, o filme faz citações diretas a ele próprio. É comum ver piadas autorreferenciais e repetições de palavras e frases com a clara finalidade cômica.

A numerosa horda de zumbis

Porém, por mais que tenha uma grande facilidade e um certo destaque nos quesitos técnicos de um filme, Wright ainda tem muitos problemas na hora de montar um roteiro digno. Todos os personagens secundários são rasos, caricatos e estereotipados – são arrogantes, egoístas e burros demais para ter alguma finalidade para a história, e isso irrita. Por conta dessa pobreza na criação de suas personalidades, nenhum dos atores, com a exceção de Simon Pegg, consegue de fato se destacar. Para completar os problemas, alguns jump scares sonoros são forçados e não funcionam, assim como toda a carga dramática que existe no terceiro ato.

No fim, Shaun of the Dead é um filme que tem o seu charme. A mistura de comédia, terror trash e boas sacadas funciona muito bem, o que acabou garantindo o seu status de clássico cult do gênero. Mais um ponto para Edgar Wright!

Trailer: