Crítica | A Noite dos Mortos-Vivos (Night of the Living Dead) (1968)

Nota do filme:

Na cultura pop, a temática zumbi está cada vez mais presente e exerce até um certo domínio em boa parte das mídias. Nos vídeo-games, graças ao absurdo sucesso da franquia Resident Evil (que posteriormente também seria representada nos cinemas), dezenas de jogos que abordam o assunto acabaram se tornando quase obrigatórios a cada nova conferência de praticamente todas as empresas produtoras de games, independente da plataforma da qual farão parte. Na televisão, The Walking Dead é uma das séries de maior sucesso e repercussão, batendo inclusive, recordes de audiência ao redor do globo na estréia de sua mais nova temporada. E no cinema, claro, o cenário não seria nem um pouco diferente. Filmes como Extermínio (2002), Madrugada dos Mortos (2004), Zumbilândia (2009) e Guerra Mundial Z (2013) impulsionaram de forma categórica o êxito do tema.

Porém, nem todos sabem que um filme preto e branco de 1968 foi o grande responsável por servir de inspiração e referência para as obras que estamos mais do que acostumados a acompanhar e amar. A noite dos mortos-vivos (Night of the Living Dead), primeiro filme dirigido por George A. Romero, é considerado um dos precursores do gênero – tanto que, posteriormente, o diretor seria considerado de forma unânime o pai dos zumbis nas telonas. Mesmo não sendo de fato a primeira obra a abordar o assunto de mortos-vivos, o filme determinou uma mudança nas regras do gênero que perduram até hoje. Aqui, a ideia de vodu e poções mágicas – consideradas as causadoras das transformações nos primeiros filmes do gênero – são deixadas de lado, dando lugar à representação de cadáveres putrefatos que se movem lentamente de forma desajeitada atrás de um pedaço de carne para se alimentar. Para matar tais criaturas, apenas com um tiro ou golpe certeiro na cabeça.

Além de consolidar o folclore, o filme também foi um dos primeiros a mostrar violência gráfica nas telas, um dos primeiros a ter um negro como protagonista e um dos filmes independentes de maior sucesso já feitos, com um lucro mais de 263 vezes maior do que o orçamento inicial investido.

Durante uma visita rotineira ao túmulo de seu pai, Barbra (Judith O’Dea) e seu irmão Johnny (Russell Streiner) são surpreendidos por estranhos acontecimentos. O rádio do carro começa a falhar, assim como os telefones da região; o cemitério, que costuma ter alguns visitantes nessa época do ano, está completamente vazio; e relâmpagos e trovões repentinos começam a aparecer. Subitamente, um homem bem trajado e aparentemente em estado de transe ataca a dupla, fazendo com que Barbra abandone seu irmão e corra em desespero até encontrar abrigo em uma velha casa das redondezas. Ali, a moça posteriormente encontra Ben (Duane Jones), protagonista do filme, e dois casais que, desesperados, se trancaram no porão para proteger e acomodar a jovem filha de um deles, que está gravemente ferida.

A casa em questão é o cenário principal do filme e o local onde todos tentam traçar um plano para escapar enquanto reforçam suas estruturas para evitar a invasão das centenas de zumbis que cercam o local. Por conta das incertezas sobre o que está acontecendo, diversos conflitos de autoridade e planejamento permeiam a relação dos sobreviventes, que, a cada minuto, se torna mais tensa. Isso unido ao fato de que Ben, único negro sobrevivente, se coloca como líder do grupo, visto que é o único personagem que carrega consigo características como: coragem, proatividade, engenhosidade, racionalidade, e claro, liderança.

A criação dos personagens por parte do diretor e roteirista George A. Romero foi feita de uma maneira inesperada para a época, década em que os preconceitos raciais estavam em alta nos EUA. Aqui, os personagens brancos são retratados de forma passional, histérica, teimosa, medrosa e até mesmo não muito inteligente em certos momentos. Temos na ambientação de um mundo pós-apocalíptico habitado por zumbis uma porção de críticas à sociedade americana patriarcal, ao racismo e até mesmo às várias guerras que o país participou.

Nos aspectos técnicos, o filme envelheceu super bem. A escolha por uma fotografia completa em preto e branco fez com que a maquiagem, muito simples em diversos figurantes, parecesse algo verdadeiramente realista e que causasse um certo sentimento de desconforto no espectador. A trilha sonora e os efeitos sonoros são altos e vibrantes nas cenas de tensão e ditam o ritmo do primeiro e último ato do filme. Unido a isso, temos também a presença de diversos cortes propositais, que reforçam o sentimento de incômodo e acabam criando, inclusive, alguns Jump Scares – algo tão comum nos filmes de terror atuais.

Na primeira cena do filme, temos takes com uma câmera fixa, acompanhando a partir de 8 cortes de diversos ângulos e perspectivas, o caminho do carro dos irmãos até o cemitério. Feita de forma muito inteligente pelo diretor, a cena dá uma noção de distância e isolamento muitos maiores do que de fato são. Mostra também que o caminho tortuoso pode ser inevitavelmente sem volta para muitos deles.

O filme é um clássico do cinema e com certeza merece todos os méritos por trazer discussões tão importantes à tona. Também é um filme divertido e que surpreende por suas qualidades técnicas. Ainda mais importante, é saber e entender de onde foram tiradas praticamente todas as ideias de roteiro e história que podemos acompanhar nas centenas de obras de zumbis que temos acesso hoje.