Crítica | Todas As Canções de Amor (2018)

Nota do Filme:

Os ciclos de relacionamentos são quase uma constante sobre todas as fases e percalços que os envolvidos passam. Alguns conseguem superar e outros tropeçam, não dando continuidade a relação, não por força de vontade ou sentimento, mas por simplesmente terem se esgotado excessivamente um pelo outro.

“Chico (Bruno Gagliasso) e Ana (Marina Ruy Barbosa) se mudam para um novo apartamento em São Paulo. Enquanto arrumam as coisas, ela acha uma fita K7 e decide escutar. Trata-se de uma mixtape que Clarisse (Luiza Mariani) fez 20 anos antes para seu marido, Daniel (Julio Andrade). Os dois casais, apesar de distanciados pelo tempo, têm muito em comum.”

Em sua estreia na direção de longas-metragens, Joana Mariani entrega um romance musicalizado por clássicas canções brasileiras que contagiam pela poesia de suas letras, além de utilizá-las narrativamente para ilustrar o estado atual do relacionamento dos personagens.

Para isso, ela alterna a câmera de duas maneiras, sendo a primeira utilizada de forma a colocar a audiência como observadora das crises conjugais, posicionando ela afastada dos protagonistas a fim de passar a sensação de que eles estão sendo espiados, e a segunda capta a melancolia vivida por eles, aproximando mais a câmera de seus rostos quando estão observando o horizonte sem motivos ou sonhando acordados durante o dia.

Assim, ela estabelece a posição de cada um na relação vivida por eles, seja no casal do passado ou do presente, sem precisamente uma narrativa atropelar a outra, pelo contrário, ao intercala-las utilizando rimas visuais através dos movimentos de câmera, se tornam complementos um do outro.

Nisso a edição se destaca ao optar pela montagem invisível, naquela que os cortes são perceptíveis, porém realizados de forma sutil, servindo ainda como reflexos de um personagem para o outro. Por exemplo, escolhas tomadas pela personagem de Clarisse no passado se tornam coerentes para os dilemas enfrentados por Ana no presente, dando a entender que uma se transforma na outra, porém sem deixar explícito. Ainda, essa edição se dá não apenas pelas rimas visuais, também há cortes que utilizam o som para alternar entre as épocas, o que demonstra como a escolha desses cortes é essencial para a narrativa.

Além disso, há um cuidado do roteiro ao refletir sobre as crises conjugais dos casais ao utilizar a fita para isso, pois, ao alternar as tramas entre as brigas, indica a existência dos ciclos dos relacionamentos, uma vez que o que uma delas já passou é similar ao que a outra está vivenciando naquele momento, sendo mostrada na tela a reação para aquilo.

Isso elucida ainda mais as características similares das duas protagonistas, porque, apesar de terem os mesmos anseios, dúvidas e pensamentos acerca da vida, possuem personalidades diametralmente opostas, o que é ressaltado pelo figurino das duas. Enquanto uma procura a liberdade, a outra é livre demais, e isso é apenas um dos elementos que levam à ruptura dos casais.

Desse modo, essa transformação de Ana em Clarice funciona perfeitamente, além dos quesitos técnicos, pela atuação das atrizes. Marina Ruy Barbosa entrega a performance mais madura de sua carreira, montando uma tímida, mas decidida, Ana, com seus olhares baixos e voz ativa, sempre buscando a independência da idealização que criou de Clarice, enquanto Luiza Mariani é a força que carrega e dá vida à narrativa, com sua explosão de liberdade e opiniões fortes, consegue sempre se impor ao mesmo tempo em que demonstra seus sentimentos e fragilidades, tudo realizado de forma intensa.

Por causa disso, esses reflexos dos casais na vida cotidiana, já exaustivamente explicitados com os dois casais, são coroados ainda com a direção de arte do filme, que possui um papel importante na representação física do relacionamento, mostrando conforme o apartamento, que um casal vive e o outro viveu. Um está cheio, demonstrando os muitos sentimentos de um pelo outro e, conforme a relação vai se desgastando, o lugar fica mais vazio, ilustrando assim a escassez de um pelo outro.

Portanto, o longa se torna um romance musical sem números, embalados pela deliciosa trilha sonora de músicas brasileiras na representação do relacionamento e deixando claro que, apesar desses percalços, todas as canções de amor vão ser sempre para a pessoa amada, e que sempre haverá o amanhecer de um novo dia, com inúmeras pessoas passando por novos problemas, ou pelos mesmos vivenciados pelos protagonistas.