Crítica | TOC- Transtornada Obsessiva Compulsiva [2017]

Esqueçam as comédias brasileiras com humor à la Zorra Total e linguagem de Telenovela. TOC- Transtornada Obsessiva Compulsiva, longa de 2017 estrelado por Tatá Wernek, quebra o ciclo de um humor brasileiro viciado e mostra vontade de inovar o cinema nacional.

Vendido como mais uma comédia genérica brasileira, quem só assistiu aos trailers vai se surpreender com os rumos de TOC. No filme, Kika K é uma atriz de telenovela que ascendeu à fama quase instantaneamente (assim como, vocês sabem, Tatá Werneck) depois de interpretar a icônica personagem Marcinha (que não deixa de ser um revisitação à famosa personagem Fernandona dos tempos de Comédia MTV da atriz) em Passo Tortos, uma novela de grande sucesso. Inserida nesse mundo de celebridades e subcelebridades brasileiras, Kika K, apesar de bem sucedida, sente-se infeliz e esgotada. Cercada pelo namorado ninfomaníaco onanista (Bruno Gagliasso), Caio Astro (qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência), galã da mesma telenovela e por sua agente exploradora e mal humorada, Carol (interpretada pela incrível Vera Holtz), Kika K vai gradualmente murchando diante da artificialidade de sua vida de estrela.

O roteiro auto-irônico satiriza os bastidores dessa artificialidade e dá verdade a um enredo que não serve somente como desculpa para inserção de piadas soltas, mas tem algo a dizer. Além das críticas ao meio do entretenimento como está configurado e a reflexão existencial sobre a depressão diante do esvaziamento de sentido da vida, o longa traz na inovação da linguagem um atestamento de que há gente talentosa explorando maneiras diferentes de fazer comédia.

A montagem frenética com inserções gráficas, semelhante a linguagem de videoclipes, combina com a rotina acelerada de Kika e proporciona vitalidade à narrativa sem apressar o ritmo do filme. O longa transita a todo instante entre comédia e drama, o que funciona, na maior parte das vezes, graças a direção dos estreantes Paulinho Caruso e Teo Poppovic, que nunca perdem a leveza escolhida para o tom do filme.

Nem tudo são rosas, entretanto. Algumas vezes o filme cai na tentação do caminho mais fácil do tradicional humor pastelão e amontoado de piadas óbvias e infantis. O atrito destas duas escolhas narrativas distintas cria problemas para a comicidade o que, consequentemente, diminui a qualidade do humor. Para nossa sorte, ainda que com estas ressalvas, o filme é engraçado na maior partes das tentativas, o que é mais mérito do elenco do que do roteiro.

Tatá Werneck está ótima e prova que é uma atriz versátil entregando um potencial dramático surpreendente. Claro que sua veia cômica é mais pungente e é na comédia que ela brilha mais, principalmente nos momentos em que tem liberdade para improvisar. A cena com Ingrid Guimarães (que  interpreta a si mesma) é uma das melhores do filme e foi toda improvisada.

O elenco secundário é todo bom: Luciana Paes, Patrycia Travassos, Ingrid Guimarães, Luis Lobianco, Bruno Gagliasso e a absurda Vera Holtz trazem verossimilhança para personagens caricatas que poderiam não funcionar se caíssem em mãos erradas. Apesar disso, nem todo talento do mundo pode mudar a falta de desenvolvimento e complexidade das personagens. Única exceção, Lobianco fez o que pôde para trazer verdade a mudança mal justificada de seu personagem.

Destaque para Daniel Furlan, carismático e com ótimo timing cômico, o jovem interpreta Vladimir, personagem que faz par romântico com a protagonista e impulsiona as mudanças mais importante da personagem. Estas mudanças não acontecem pela lógica machista de que o vazio existencial da protagonista era, na realidade, a falta de um relacionamento sólido repleto de amor verdadeiro, mas pelo refúgio que Vladimir representa da vida desgastada de celebridade e a contraposição com a maneira que ela lida com as situações adversas. Ponto para o roteiro que, apesar de opor Vladimir a Caio Astro, não idealiza a personagem como o  príncipe encantado que aparece para dar à mocinha o romance tão merecido. Com humor ácido, profissionalmente visto como fracassado e muitas vezes inconveniente, Vladimir é o personagem mais multifacetado da trama depois de, claro, a própria Kika.

O TOC da protagonista não é abordado com a seriedade e intensidade que o transtorno demanda, mas também não é retratado com banalidade, ridicularização ou desrespeito. Todavia, é preciso apontar ainda que a solução escolhida para o problema foi simplista demais. O filme ainda tangencia outras questões importantes (suicídio, assédio e machismo são algumas delas), mas nunca se aprofunda em nenhuma.

Sem levar a si próprio muito a sério, o filme se encerra positivamente sem acovardamentos. O resultado é uma metalinguagem afiada que vai além da auto-sátira e nos transmite pela forma uma das posturas defendidas durante a história: saber rir de si mesmo. Sem pieguices, sem auto ajuda, sem soluções românticas. A boa sacada do filme é não solucionar a incessante busca humana pela felicidade com clichês de amor familiar ou pensamentos positivos supostamente superiores à ambição por poder, dinheiro, sucesso profissional, etc. Arrisco dizer que, fosse TOC um filme estrangeiro, viraria instantaneamente um clássico indie entre jovens alternativos.

Equilibrado entres erros e acertos, o filme talvez valha mais pela tentativa de inovar do que pelo produto final. Independentemente disso, é um fôlego que traz ânimo para o futuro do cinema nacional. Além de nos relembrar de talentos não necessariamente esquecidos (falo obviamente de Vera Holtz e Ingrid Guimarães), TOC nos presenteia com talentos novos que parecem ter força de vontade suficiente para refigurar o meio em que está inserido. Deve vir coisa boa por aí. Fiquemos de olho.