Nota do Filme:
“Todos continuam falando que me conhecem. Ninguém me conhece.”
Rey
Star Wars: A Ascensão Skywalker acompanha o último capítulo da saga de Rey (Daisy Ridley), Finn (John Boyega) e Poe (Oscar Isaac) em sua batalha contra a Primeira Ordem, agora liderada por Kylo Ren (Adam Driver). A Resistência, sob o comando de Leia (Carrie Fisher), fragilizada com os eventos do capítulo anterior, deverá se antecipar a um possível retorno do Imperador Palpatine (Ian McDiarmid), cabendo ao trio restaurar o equilíbrio e proteger a galáxia.
Como falar sobre Star Wars? Como abordar uma saga imprescindível à história do cinema em si, que se tornou pilar central na cultura pop desde o seu surgimento, ainda no final da década de 70? Talvez – e apenas talvez – a melhor maneira seja a franqueza. Isto porque este não é o melhor final que poderíamos ter, ou até mesmo o final que merecíamos, mas é o final que tivemos e, de um modo ou de outro, por bem ou por mal, a história dos Skywalker chega ao fim. Antes, porém, de adentrarmos na problemática da obra, faz-se necessária uma contextualização acerca de alguns dos aspectos que a ajudaram a ser bem sucedida em primeiro lugar.
Voltemos um pouco no tempo. Em 1935, Alfred Hitchcock popularizou o termo MacGuffin como um instrumento narrativo para roteiros. Posteriormente, em entrevistas, o resumiu de maneira clara e sucinta:
“Um MacGuffin é a coisa que os espiões procuram mas é algo com que a audiência não se importa.”
MacGuffins estão presentes por toda a sétima arte. Como exemplos temos o Coração do Oceano em Titanic, a maleta de Pulp Fiction e o pé de coelho em Missão Impossível 3, dirigido pelo próprio J.J. Abrams.
Pode não parecer relevante à saga, mas George Lucas, ao criar Uma Nova Esperança, acrescentou um pequeno twist ao conceito, discordando do Mestre do Suspense. Em sua visão, era inaceitável que a audiência não se importasse com a força motriz do longa. Dessa forma, transformou o MacGuffin em um personagem – R2-D2 – fazendo com que não fosse um objeto sem atrativos, mas sim um ser que atraísse a empatia dos espectadores. O Despertar da Força seguiu caminho semelhante, utilizando-se do BB-8 para o mesmo fim.
Aqui, porém, a péssima utilização do recurso torna todo o primeiro ato problemático. Ante a ameaça do retorno do Imperador – o qual será analisado de maneira mais aprofundada em parágrafo próprio –, deve-se encontrar o objeto que permitirá encontrá-lo. Contudo, para isso, outro objeto deverá ser achado, criando uma sucessão de MacGuffins que torna a narrativa extremamente truncada e pouco fluida. A trama parece difusa e complicada, por mais que seja, em essência, extremamente simples.
Nesse sentido, Star Wars nunca foi conhecido por temas excessivamente complicados – ao menos no que diz respeito aos filmes. Ao contrário, trata-se, talvez, do embate mais antigo que exista – luz e trevas. Em 1977, não havia grandes expectativas para que o Uma Nova Esperança gerasse uma saga que, mais de quarenta anos depois, ainda ocupasse um lugar no centro da mídia. Dessa forma, acrescentar obstáculos pela mera razão de acrescentá-los não faz qualquer favor ao longa, tornando-o apenas deslocado dos antecessores.
Os problemas narrativos, porém, não se limitam a isso. Há algo a ser dito acerca do grande número conveniências que perpassam o roteiro. Para tal façamos, novamente, uma digressão. Em 2013, Emma Coats, à época na Pixar, divulgou um compilado de vinte e duas regras que, afirmava, a auxiliavam a cunhar uma boa narrativa. É claro que nada é escrito em pedra e há infinitas maneiras distintas de se escrever um roteiro. Contudo, a regra dezenove diz muito acerca desta obra:
“Coincidências que colocam o personagem em apuros são ótimas. Coincidências que os tiram são trapaças”
Star Wars, como dito anteriormente, sempre se propôs a ser uma narrativa simples e conveniente. Afinal, como justificar a péssima pontaria de soldados treinados? Aqui, porém, esse fator se mostra presente em pontos de extrema importância que avançam a história. Nesse sentido, artefatos necessários são achados por mero acaso. Questões estabelecidas como extremamente problemáticas em Os Últimos Jedi são solucionadas offscreen e sequer são mencionadas. Situações que seriam alarmantes em condições regulares são rapidamente solucionadas.
Isso nos traz a, talvez, o maior problema não deste filme, mas da nova trilogia em si: a falta de coerência narrativa entre suas partes. Isto porque J.J. Abrams, diretor e roteirista do O Despertar da Força, tinha uma visão do que deveria ser feito nessa empreitada. Rian Johnson, diretor e roteirista de Os Últimos Jedi, seguiu um caminho oposto. Segundo Daisy Ridley, inclusive, o roteiro prévio entregue a ele foi extensamente alterado. Porém, goste-se ou não do que Johnson fez, é simplesmente impossível ignorar a existência do antecessor e, em A Ascensão Skywalker, dar seguimento à visão que se tinha no O Despertar da Força sem qualquer adaptação. A discrepância de tom é palpável, sendo nítidas as alterações de roteiro tentando contornar diversas decisões que, ao menos em tese, deveriam ser definitivas. Star Wars tem, então, o péssimo hábito de desrespeitar as regras que impôs a si mesmo.
Pontos em que a franquia uma vez já brilhou também apresentam dificuldades. Com exceção de um embate entre Rey e Kylo Ren, que funciona tanto no nível estético como no nível emocional, o restante dos confrontos parecem mecânicos. A ação pela ação se mostra vazia e, por mais que em um primeiro momento a audiência se sinta entretida, ao final não há muito o que se lembrar. O conflito não decorre da motivação de personagens, mas sim da aparente necessidade em se ter combates em uma obra da saga.
Ainda, a falta de consequência para determinadas decisões/ações dos personagens atinge níveis problemáticos, de modo que qualquer tensão se dissipa. Isto é, o roteiro busca a ressonância emocional sem, contudo, querer arcar com os ônus que seriam as ramificações daquela decisão.
Por fim, impossível não mencionar o infame retorno do Imperador Palpatine, que demonstra de maneira inequívoca a ausência de sequência entre os filmes. A volta do vilão clássico deixa bem claro que a morte de Snoke em Os Últimos Jedi não estavam nos planos de J.J. Abrams que, para manter a dinâmica entre Rey e Kylo, viu-se forçado a trazer de volta um oponente que todos julgavam morto. Não há qualquer introdução nos longas anteriores que permitam sequer conjecturar um possível retorno de Palpatine, muito pelo contrário, considerando a tentativa de Kylo em “enterrar o passado”. Pior, uma vez que a má utilização do personagem transforma a conclusão da história em algo preguiçoso e mal acabado.
A decisão, inclusive, mostra-se equivocada por mera desnecessidade. Se havia motivo para uma nova figura antagonizante, a exceção de Ren, tem-se como opção a própria Primeira Ordem. Afinal, se Os Últimos Jedi demonstrou que sua liderança no grupo não era incontestável, o passo lógico era se aproveitar dessa base para iniciar uma possível disputa interna. A solução de recorrer ao passado se mostra totalmente insustentável.
Há, todavia, pontos positivos, apesar de escassos. A atuação no longa permanece sólida e, apesar da relação entre o trio protagonista nunca ter sido um dos maiores focos da trilogia – apenas em pares como Finn e Poe e Finn e Rey –, a química dos atores ajuda a transmitir uma relação maior, apesar de mal desenvolvida. Kylo Ren se mantém como um personagem interessante, a sua dualidade luz/trevas perceptível por meio de um ótimo trabalho por parte de Adam Driver. Ao mesmo tempo, sua dinâmica e vínculo com Rey são muito bem trabalhados e expandidos, ao menos até o momento derradeiro onde, infelizmente, optou-se por desfechos fracos e pouco satisfatórios.
Sendo assim, A Ascensão Skywalker se mostra um equívoco. Escolhas erradas no que diz respeito à estrutura da história e, mais importante, a ausência de uma coesão maior entre todos os longas da trilogia, prejudicam a obra de maneira irreparável, destacando os pontos negativos acima dos positivos. Um final aquém da capacidade dos envolvidos e que até pode satisfazer alguns, mas deixará um sentimento de decepção na maioria. Os fãs mereciam mais. Star Wars merecia mais.
Carioca, advogado e apaixonado por cinema. Busco compartilhar um pouco desse sentimento.