Crítica | Simonal (2018)

Nota do filme:

Wilson Simonal de Castro (1938 – 2000) foi um dos maiores nomes da Arte brasileira na década de 1960. Dotado de um estilo – musical e estético – único, chegou a vender mais discos que Roberto Carlos e receber mais pedidos de autógrafos que Pelé. Sua ascensão meteórica, no entanto, sofreu um duro revés no início dos anos 1970, quando passou a ser acusado, pela imprensa e por parte da classe artística, de ser um delator do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), órgão repressor da Ditadura Militar, alcunha que negou até o fim da vida. Ora se distanciando da canção de protesto, ora se aproximando do MDB (o partido de oposição permitido pelo governo), ou então ostentando bens materiais ao mesmo tempo em que reconhecia preconceitos sistêmicos, era uma contradição em si, jamais podendo ser enquadrado em rótulos. Em suma, foi uma dessas figuras cuja vida combina com cinebiografia.    

O longa se inicia em 1975, momento em que sua carreira já havia caído em desgraça, para então retornar a 1960, quando o cantor (Fabrício Boliveira) fazia parte da banda Dry Boys, seguindo a partir daí uma estrutura narrativa tradicional em biografias, ou seja, cronológica. Essa opção é adequada porque faz com que o espectador não familiarizado saiba de antemão que algo trágico acontecerá, isto é, em algum momento aquele showman será visto com maus olhos, o que atribui maior peso dramático ao que é visto em tela.

Sendo uma produção que se passa há mais de cinquenta anos, é natural que a recriação de época seja observada, e vale ser mencionado o trabalho da figurinista Kika Lopes, que explora bem o potencial do período. A trilha sonora original, assinada por Simoninha e Max de Castro (filhos do músico) também é competente e pontua bem a narrativa. A utilização da música, aliás, é feita de modo interessante: abundante na primeira metade, é escassa na segunda. Isso poderia soar estranho, mas é justificado para ilustrar o arco do protagonista, que vê seu trabalho sendo cada vez menos valorizado com o passar do tempo.

Como o ícone que interpreta, Boliveira possui grande carisma e, ao acompanhar sua performance, é possível compreender porque o “Rei do suingue” tanto encantava. E seu crescente descontrole emocional diante da sucessão de eventos pelos quais passa é bem retratado. O restante do elenco não compromete, com destaque para a caracterização de Leandro Hassum como Carlos Imperial. Já a composição mais problemática fica a cargo de Tereza (Ísis Valverde), mas não por conta da atriz. Infelizmente o roteiro atribui à parceira de Simonal um papel de acessório e, assim, apesar de terem sido casados, pouco ficamos sabendo sobre a companheira. E é claro, o dedo da Globo Filmes se faz presente nas cenas que envolvem o casal: seja nos momentos de romance ou nas brigas, a relação parece saída de uma novela.

Outro problema do roteiro reside na insistência em sobrecarregar a história com manchetes de jornais para explicar o que está acontecendo em vez de mostrar, o que contribui para quebrar o ritmo do que está sendo contado.

De qualquer forma, independentemente de tais irregularidades, o espectador é recompensado com o belíssimo plano que encerra a obra. Carregada de múltiplos significados, a cena impressiona e comove.  

Uma última questão reside na forma como o projeto timidamente foca a questão racial. Pode-se dizer que o protagonista sofreu uma espécie de duplo racismo: se por um lado, um negro com tamanho sucesso (chegou a firmar o maior contrato de publicidade consignado à época) incomodava uma sociedade que o via como alguém que não pertencia àquele lugar, por outro, as acusações de cúmplice da Ditadura tiveram muito mais peso nele do que em uma artista branca, como Elis Regina, por exemplo.

Não há, até hoje, certeza se o cantor participou de delações, ou qual o grau de sua colaboração com os militares, embora o filme apresente sua versão. O que se sabe é que se tratou de um músico extremamente talentoso que viveu e refletiu os conflitos de sua época. Por isso mesmo, sua trajetória merece espaço.