Crítica | Shame (2011)

Falar de sexo no cinema continua sendo um tabu. Para além das comédias românticas, poucos diretores ousam se aventurar sobre o tema de maneira mais séria e profunda. Com grande expressão, nos últimos anos, tivemos Ninfomaníaca, do sueco Lars von Trier (2014) e Love (2015), do argentino Gaspar Noé. Dentro de Hollywood, Shame (2011), do cineasta premiado Steve McQueen, é um dos mais conhecidos. Embora menos explícito que os outros dois títulos mencionados, o longa estrelado por Michael Fassbender também choca ao trazer uma versão desromantizada sobre o vício em sexo.

A despeito de personagens leves como Charlie Harper (da série Two and a Half Men) e Hank Moody (da série Californication), aqui temos um protagonista mais denso e sombrio. Esse contraste já é notado na sinopse do filme: Brandon é um homem solitário e individualista, bem sucedido profissionalmente, mas nas horas vagas sua vida se limita a procurar prazer sexual. No entanto, sua rotina muda quando a irmã acaba indo morar com ele, gerando um grande incômodo em seu passatempo.

Também é interessante notar que Fassbender é figurinha repetida no portfólio do diretor McQueen. Os dois já haviam firmado parceria no intenso Hunger (2008). Mais recentemente, a dupla também trabalhou em 12 Anos de Escravidão, grande vencedor do Oscar 2014.

Em Shame, assim como nas demais obras do cineasta, Fassbender consegue brilhar. Ele convence como um sujeito educado e tímido na presença do chefe,  mas que na vida privada assume um ar autoritário e intimidador – que vai enfraquecendo ao longo da estória devido aos desdobramentos. A atriz Carey Mulligan, que interpreta a irmão Sissy, também consegue imprimir bem as características da personagem bipolar – através das mudanças bruscas no rosto e na voz. Em algumas ocasiões ela passa um tom sereno e angelical  (como na cena da canção do bar), em outros manifesta uma figura perturbada e fragilizada.

A grande força do longa está no modo como ele é contado, através de uma ótima sinergia entre a direção e a montagem. Em algumas situações, a narrativa ocorre de forma não linear, ligando cenas através de match cut sonoros. Logo no início do filme, por exemplo, o som de um gemido feminino, gerado em uma cena no apartamento de Brandon, é transferido para uma cena dentro do vagão do trem, a afim de explicar o pensamento do personagem sem a necessidade de um diálogo.

A lente de McQueen também é paciente e corajosa. Há diversos planos longos e estáticos, que exploram ao máximo cada situação, até mesmo as banais (técnica muito presente em sua carreira, inclusive em 12 Anos de Escravidão). A própria nudez de Fassbender tem longa exposição. Close-ups são frequentemente utilizados para exibir partes de corpos ou expressões faciais, especialmente durante os momentos de sexo. Entretanto, os enquadramentos eróticos geralmente se justificam, trazendo alguma informação a mais para a trama. A construção do storytelling também é enriquecida com algumas escolhas da lente. Quando Brandon está no escritório ou em uma situação que não se sente à vontade, a câmera está sempre distante ou refletindo a imagem através de um espelho. Já nos momentos íntimos, ele sempre está muito próximo da tela.

A fotografia e a trilha sonora não se sobressaem, mas são pontuais quando requisitadas. Algumas cenas vestem um filtro de cores frias, complementando a personalidade do protagonista, que é totalmente desprovida de afeto. Já a música, composta por uma trilha ameaçadora, geralmente aparece durante os momentos de elipse, quando a rotina de Brandon é exposta por meio de pulos no tempo, servindo para acentuar seu comportamento doentio.

Se há alguma fraqueza nesta obra, ela está no roteiro. O script até consegue criar uma figura central complexa, rodeada de contradições (afinal, engravatados bem sucedidos também possuem segredos sujos). No entanto, apesar de mostrar o local de trabalho de Brandon, não sabemos exatamente o que ele faz – além de ficar no computador e participar de reuniões. Sua relação com a irmã apenas evoca o presente, e não há pista sobre o passado dos dois (elemento que faz muita falta para a compreensão da estória).

Apesar de um pequeno deslize de roteiro, o saldo de Shame é muito positivo. Com boas atuações e uma formidável execução de direção e montagem, trata-se de um drama indispensável para qualquer cinéfilo. Filmes que desconstroem perfis aparentemente exemplares sempre são interessantes, ainda mais quando a parte técnica colabora.