Nota do Filme:
Sem Rastros acompanha Will (Ben Foster) e Tom (Thomasin McKenzie), respectivamente pai e filha, que vivem uma existência reclusa em um parque de Portland. Após um encontro inesperado, a dupla é forçada a se retirar de seu acampamento e são colocados sob a responsabilidade do serviço social. Assim, forçados de volta à civilização, deverão se adaptar, ao mesmo tempo em que o conflito cresce entre eles.
Debra Granik é conhecida por seus dramas contidos e intimistas. Em 2010, foi responsável pela direção do elogiado Inverno da Alma, que ajudou a alavancar a carreira da atriz Jennifer Lawrence. Após a direção de dois documentários, a diretora retorna à ficção, com um filme sensível e maduro.
Percebe-se, desde já, grande semelhança com o longa Capitão Fantástico. Ressalta-se, contudo, que essa similaridade se limita à sinopse. Isto porque Sem Rastros conta com uma abordagem muito mais crua e realista, focando ao máximo a sua atenção na dinâmica pai-filha da história, ao mesmo tempo em que aborda, de maneira mais superficial, a temática de pessoas à parte do sistema sem, entretanto, antagonizá-lo. Assim, é cristalina a retratação simpática dos funcionários governamentais uma vez que não se trata de uma disputa, mas sim da inevitável colisão entre dois estilos de vida distintos.
Nesse sentido, tem-se uma obra imersiva, que se aproveita de seus belos cenários exteriores para atrair o espectador. Ademais, em uma busca constante por realismo, há pouco diálogo até mesmo entre os protagonistas [1], o que torna a experiência menos expositiva e mais vívida. Tal escolha é calculada, e Debra Granik confia em sua audiência para fazer as conexões necessárias. Desse modo, por mais que não se trate de um filme complexo, demanda atenção para ser completamente compreendido.
Ressalta-se que tais decisões, caso desacompanhadas de atuações competentes, poderiam prejudicar a obra de forma irreparável. Felizmente, talento é algo que não falta às interpretações. Ben Foster, certamente o mais conhecido do elenco, traz ao filme a sua excepcionalidade rotineira. A surpresa, contudo, é Thomasin McKenzie, que imprime inúmeras camadas à sua personagem, perpassando uma maturidade que supera a idade. Por seu papel foi, inclusive, indicada ao prêmio de Melhor Ator/Atriz Jovem do Critics’ Choice Awards [2]. Ademais, a dupla têm excelente química, o que aumenta a (já alta) carga dramática de suas interações.
Nessa seara, a constrição do roteiro faz com que este se recuse a alargar a sua abordagem. Não há, aqui, pretensão de uma tratamento acerca de múltiplos fatores. Destaca-se, entretanto, que não se trata de um ponto negativo, pelo contrário, pois, ao fazê-lo, o script eleva a qualidade do relacionamento entre os protagonistas. Dessa maneira, a história encontra, na simplicidade, uma forma de se diferenciar de outros longas do gênero. A fotografia, assim, reflete o estado de espírito da narrativa, com cores sóbrias, à exceção da vegetação, representada sempre com extrema vividez, em contraste com restante do cenário.
Tem-se, então, que Sem Rastros é um conto simples, mas incrivelmente sensível, com uma importante mensagem. Seu foco na dinâmica entre seus personagens principais, acompanhado por ótimas interpretações por parte de Ben Foster e Thomasin McKenzie, permite que a obra adentre nuances que, do contrário, não seriam possíveis. Debra Granik, mais uma vez, nos mostra a sua capacidade para histórias intimistas. Resta apenas aguardar seu próximo filme.
[1] Debra Granik e Ben Foster, juntos, cortaram cerca de 40% do diálogo do roteiro original.
[2] A vencedora foi a atriz Elsie Fisher pelo seu papel no excelente Oitava Série.
Carioca, advogado e apaixonado por cinema. Busco compartilhar um pouco desse sentimento.