Crítica | Segredos de Sangue (Stoker) [2013]

Nota do filme:

Chan-Wook Park é um diretor que sabe como imprimir seu estilo nos filmes, mesmo naqueles que não escreveu o roteiro, usando toda a sua capacidade para criar sarcasmo e perversão em obras nas quais esses elementos estão presentes, mas, Park os potencializa, para enriquecer os arcos que construiu.

“Segredos de Sangue” (2013) é um exemplo disso, já que o roteiro de Wentworth Miller (sim, o personagem principal da série “Prison Break”), não tem nada de especial, não sendo bom, nem ruim. A história que acompanhamos é a de Índia (Mia Wasikowska), uma jovem que acaba de perder o pai, Richard, de quem era muito próxima. Sendo obrigada a viver com a mãe, Evie (Nicole Kidman), ela tem que lidar com o retorno de seu tio a família. Charlie (Matthew Goode), não aparecia há anos, não conhecia Índia e passa a morar na casa dela e da mãe, após a morte de seu irmão.

Assim, é notável ver como o diretor, com seu estilo altamente técnico e detalhista, constrói os arcos usando o roteiro apenas como base, não como norma, já que ele subverte tudo aquilo que Miller criou para estabelecer uma história com alta tensão sexual, mistérios familiares e transição da adolescência para a vida adulta, no caso de sua personagem principal.

Vemos isso de formas diferentes e levemente metafóricas, a aranha no inicio do filme, que aparece subindo na perna de Índia, é o crescimento forçado (já que o pai faleceu) chegando na vida dela, ou seja, a liberdade que ela acreditava que iria conquistar na vida adulta, não acontece e ela prefere tentar se segurar na sua vida e rotina, ainda adolescentes, ao invés de embarcar no inevitável.

Por isso, os sapatos que ela usa são sempre os mesmos, não apenas porque o pai dá o par de presente de aniversário para a garota todo ano, algo que Park deixa bem claro com closes estratégicos nos sapatos e combinando os figurinos da protagonista com a luz utilizada no filme, em geral, cinza quando Índia está no quadro, vermelha quando a mãe dela está no quadro e Charlie não tem uma luz especifica, apenas é mostrado no tom de uma das mulheres citadas.

O que mostra como a intenção de “Segredos de Sangue” é ser feminino e dominado por mulheres, já que mostra a dificuldade de transição da adolescência para a vida adulta de uma personagem e a também dificuldade de transição de Evie de uma vida com o marido, para uma vida sem ele. O diretor faz isso através de travellings que mostram a mudança nas personagens quando o assunto é abordado em algum momento. Essas mudanças são bruscas e dão o tom que a projeção assume durante as suas 1h38 de duração.

Aliado a esses pontos, vemos como o contexto familiar, dentro do panorama criado pela história, apenas contribui para a dificuldade das duas personagens, Evie está claramente apaixonada por Charlie, já que o personagem a corteja quase todo o tempo e Índia está descobrindo cada vez mais seu corpo e o sentimento de crueldade que, de uma forma ou de outra, está presente em sua vida, a diferença é que antes essa sensação era controlada pelo pai, através da caça.

Porque fica claro como Richard entendeu o que poderia acontecer caso Charlie não tivesse sumido e tivesse conhecido Índia desde pequena, ou seja, apesar do afastamento ter sido mutuo, Richard o acolheu de bom grado, pelo bem da filha e para o crescimento saudável dessa.

Esse ponto não fica apenas exposto pelo roteiro e pela direção, mas pelos diálogos e pelas atuações, Nicole Kidman encara Evie como uma mulher que deseja, a todo custo manter as aparências, mas não consegue por não ser uma pessoa hipócrita em sua essência, sempre tendo momentos breves e sutis de como é realmente a sua personalidade. Mia Wasikowska é a atriz perfeita para o papel de Índia, em geral, seus trabalhos não exigem muito e em “Segredos de Sangue” nem é necessário que exija, já que seu rosto (aparentemente) é naturalmente taciturno, ou seja, não é preciso nenhum esforço no que diz respeito a expressão.

Contando uma história com um plot twist interessante e necessário para cumprir o que se propôs (atentem aos 18 anos da personagem principal, como Park gosta desse número, já utilizado anteriormente em “Oldboy” – 2003), “Segredos de Sangue” usa o talento de seu diretor para criar um filme perverso, sarcástico e apesar de tudo, belo em todos os seus detalhes.