Crítica | Se a Rua Beale Falasse (If The Beale Street Could Talk) [2018]

Nota do filme:

Barry Jenkins surpreendeu a audiência em 2016 por sua sensibilidade ao tratar sobre a temática LGBT e o preconceito presente até hoje através de Moonlight, longa que acabou rendendo ao diretor o Oscar de Melhor Roteiro adaptado. Jenkins recorre a um tema urgente que também é tratado com beleza, porém sem esconder a veracidade dos fatos com Se a Rua Beale Falasse

Inspirado na obra homônima literária de James Baldwin, o longa se passa no Harlem, Nova Iorque dos anos 70 e segue a história de amor atemporal e da força de uma família afro-americana contada por uma jovem de 19 anos. Tish (KiKi Layne) relembra vividamente a paixão, o respeito e a confiança que a fez ficar encantada por Alonzo Hunt (Stephan James), conhecido pelo apelido de ”Fonny”. Seu mundo entra em total desordem quando seu namorado é preso por ser o principal suspeito de um estupro. Tish e sua família buscam formas de libertar seu futuro marido da cadeia. 

Assim como em Moonlight, Jenkins estabelece o arco dos personagens com calma. Exemplo disso é a maneira como é construído o relacionamento do casal. Tish é a força-motriz da história, é a responsável por mostrar suas nuances, desde como ambos se conheceram até o momento quando descobrem que estão apaixonados um pelo outro. A partir do momento que a Fonny é preso, a personagem toma diferente postura, isso acaba gerando um amadurecimento visível durante toda a projeção. Mérito da ótima performance da novata KiKi Layne.

Devido ao atual governo norte-americano, alguns lançamentos desse ano tentam alertar o público sobre como a desigualdade ainda prejudica a sociedade. Se Spike Lee faz uma abordagem explícita em Filtrados da Klan; Jenkins tenta algo mais sútil e de fácil compreensão. O resultado é uma obra que impacta o público porque, infelizmente, o que está presente na tela foi realidade no século passado que ainda ecoa nos tempos modernos. 

Os entusiastas do gênero romance podem encontrar uma certa semelhança com os filmes da trilogia Before, de Linklater ou com o longa japonês Amor a Flor da Pele – um dos filmes preferidos de Jenkins, diga-se de passagem -, de Wong Kar-Wai. Há diversos momentos sem diálogos, troca intensa de olhares, paleta de cores com tons quentes para ilustrar o amor – graças a deslumbrante fotografia, cenas abstratas onde mostram o trabalho diário do casal. As camadas são tão bem detalhadas que fica difícil não acreditar na história de Tish e Fonny.

O movimento Jazz também faz parte de Se a Rua Beale Falasse. A trilha sonora suave de Nicholas Britell -responsável também por Moonlight – é uma forte ferramenta para transmitir os sentimentos da selvagem Nova Iorque dos anos 70. Destaca-se a imersão que causa ao espectador por causa do uso constante de instrumentos de sopro e o melancólico piano. 

Nenhum filme em 2018 conseguiu capturar a essência do amor tão bem como Se a Rua Beale Falasse. Não é sobre momentos grandiosos, mas sim sobre aqueles gestos pequenos que passam despercebido para os que estão de fora. Também consegue a façanha de chamar atenção do público, mostrando como a falta de igualdade pode causar danos irreparáveis para um vida. 

***Se a Rua Beale falasse foi exibido no Festival do Rio 2018.