Crítica |Santiago, Itália (Santiago, Italia) [2018]

Nota do filme:

Parecia um Filme B nazista.

A frase “Eu não sou imparcial” é dita pelo cineasta Nanni Moretti em certo ponto de Santiago, Itália, documentário que aborda a participação da embaixada italiana no Chile após o golpe militar que, em 1973, removeu o presidente eleito Salvador Allende e instaurou uma ditadura que durou até 1990. Tal afirmação é importante em dois aspectos: o primeiro, é que Moretti não enganaria ninguém caso dissesse o contrário, pois o diretor nunca escondeu seus posicionamentos políticos, sendo muito ativo participando de protestos e abordando essa temática em alguns de seus trabalhos. O segundo é que a noção de parcialidade não é necessariamente obrigatória em uma produção documental. Um realizador pode perfeitamente assumir um lado, desde que seja honesto admitindo isso e desde que a narrativa funcione enquanto filme. Felizmente, Moretti faz as duas coisas.

A história é basicamente dividida em três capítulos: começa retratando o período de ascensão da Unidade Popular à presidência e o clima que isso gerou, tanto no país quanto na geopolítica da época. Os depoimentos incluem artistas, empresários, engenheiros e militantes, mas não deixa de ser sutil que as primeiras pessoas ouvidas são cineastas, pois o clima de fantasia e sonho que isso causou era algo sem precedentes, especialmente na América Latina. Pela primeira vez alguém com as propostas de Allende chegava ao poder pela via democrática, tendo seu projeto referendado pelo voto popular e não pela tomada do poder. Parecia mesmo coisa de Cinema.

Ao falar do golpe e da instalação de um governo ditatorial, o longa alcança um bom termo, uma vez que estampa de modo eficiente o medo que se instalou nos meses seguintes, não só por conta das torturas e assassinatos, mas através de eventos casuais: um simples tocar de campainha à noite já era suficiente para gerar pânico em quem era considerado alvo. A realidade e o cotidiano da população mudaram drasticamente com essa ruptura democrática e o povo passou a conviver com toques de recolher constantes, e os relatos descrevem com precisão esse novo cenário.

Documentarista experiente, Moretti deixa que os participantes falem, sem inundá-los com perguntas, o que permite que as mais diversas experiências venham à tona. Confortáveis, os entrevistados revelam traumas que persistem há décadas, o que provavelmente não se sentiriam à vontade de fazer perante um diretor menos sensível. Da mesma forma, ao ouvir o outro lado, não há a necessidade de muitos questionamentos. Basta deixar que os militares envolvidos no regime façam suas exposições para que fique claro quais visões possuem – e para que caiam em contradições. Essa economia nas interrogações enriquece o resultado final.

A transição para o segundo capítulo, que fala do envolvimento da embaixada italiana, é um pouco abrupta, mas nada que quebre o ritmo. Perseguidos políticos começaram a buscar refúgio no prédio, o que resultou em uma espécie de “crise de refugiados” em solo chileno. A produção acerta em dedicar mais tempo a essa parte, pois é o lado menos conhecido da época, desde o sentimento de urgência que o simples ato de pular um muro ocasionava, até os conflitos que poderiam ser gerados pela permanência de centenas de pessoas em um espaço diplomático. Nesse momento, os depoimentos, que eram majoritariamente em espanhol, passam a ser também em italiano, o que é um toque inteligente para sinalizar o contato entre culturas propiciado pela situação.

Por fim, o longa olha para as consequências dessa relação, isto é, a colônia chilena hoje existente na Itália, fruto da migração compulsória durante o exílio. Forçada a fincar raízes em solo desconhecido, essa comunidade hoje se considera mais italiana do que chilena, o que acrescenta uma camada a mais de tragédia a uma geração que viveu apaixonadamente um breve sonho, interrompido drasticamente.

Em um mundo que caminha cada vez mais para o individualismo, Santiago, Itália é um lembrete de como a solidariedade e a vontade coletiva de ajudar e fazer a diferença podem, efetivamente, salvar vidas.