Crítica | Rua Cloverfield, 10 (10 Cloverfield Lane) [2016]

Nota do Filme:

Ninguém consegue ignorar um bom mistério. Desenvolver um roteiro preciso, intrigante e que constantemente incomode o público é desafiador em qualquer cenário. Foi buscando algo que se aproximasse do realismo vívido dos longas de suspense mais antigos, como O Bebê de Rosemary, que encontrei em uma tarde o lançamento de 2016. Como um antigo obcecado por Lost, ver que a produção de J. J. Abrams estava por trás daquele trailer simplista e ao mesmo tempo desencaixado, entendi como um convite formal e não pensei duas vezes.

Embora o roteiro tenha sido concebido pelo corpo criativo confuso que mistura Chazelle e Campbell para dar vida ao screenplay, era esperado um deslize em um momento ou outro, mas o que aconteceu foi digno de um clímax para destacar isso. O filme se compromete a contar uma história de cárcere envolta em uma misteriosa conspiração que de clara não possui nada. Um jogo de sombras é constantemente colocado pela produção e pelo direcionamento da narrativa. Durante a massiva primeira metade do filme, aparenta como se a mão de J. J. Abrams guiasse o espectador pelo real, o suposto e o imaginário. Essa sensação é a mais recompensadora durante toda a trama. Uma hora saindo do foco para retornar depois com uma nova interpretação do público. Perfeitamente dosada para não ser entediante por exposição, mas intrigante por renovação.

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O longa abre de uma forma lenta e pouco atrativa. A presença dos cortes e da música não ajuda muito a compreender um passado sólido para a personagem de Elizabeth Winstead. Essa decisão final não prejudica o roteiro, mas não agrega de forma alguma qualquer brilho a ele. O acidente é previsível, mas sinaliza desde já a forma como alguns dos poucos sustos acontecem na direção quase sem comprometimento: repentinos e audíveis. Buscando o eixo do suspense mais do que a vertente do terror da época, o filme tenta vestir o mistério como armadura para esconder personagens rasos e de personalidade totalmente jogada ao recurso da ferramenta da direção. Algo assim acontece com Michelle e a sua vocação para ser uma estilista. Essa escuridão no passado da protagonista é devorada pela pressa do roteiro que aposta no que realmente interessa: o início do suposto cativeiro. E funciona com neutralidade. A armadura serve.

Carregando adiante a ideia de um possível ataque que devastou a pureza do ar fora daquela instalação, o filme permeia o espectador em uma personalidade única do personagem de John Goodman. A medida que descobrimos mais sobre o seu passado as peças não se encaixam, só servem como novas portas de interpretação do que realmente está acontecendo ali. A desorientação do público é o recurso mais utilizado por Trachtenberg. Da atmosfera ainda mais claustrofóbica que a câmera dá aos cômodos e a utilização do som como ausente, mas fundamental guia para o que se passa do lado de fora, tudo compreende a mesma intenção de desorientar. Não é um filme incompreensível, só intrigante. Classificação que, mesmo tão simples, soa vaidosa quando invocada para um título qualquer.

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O destaque para não só o personagem, mas também à interpretação de Howard por John Goodman é justo. O filme brinca durante todo o seu arco do confinamento com a ambiguidade do personagem e suas reais intenções. O jogo de sombras que define o que Howard quer e como planeja fazê-lo vaza por todos os diálogos e expressões. Uma dúvida mortal e incrivelmente saborosa para o público. A resposta é deixada de bandeja, mas nada justificável parece levar até ela antes que seja afirmada como verdade. É nesse ponto que o espectador é ganho pela boa duração de um longa sem pressa em seu segundo ato.

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A presença de Emmett na narrativa é necessária como ferramenta do encaminhamento da conclusão do filme. Antes intrigante, logo cai por terra a ideia de que o personagem é realmente um grande mote subjetivo para alguma igualmente grande explicação. Sua funcionalidade surge como acompanhamento dos diálogos isolados de Michelle e na construção de uma nova conspiração interna sobre o interior do ambiente. Apesar de linear e de moldes visíveis, a trama é inovada com cenário, diálogos e situações que incomodam. Todas elas motivadas pelos fatores anteriores. Não existe um grande pecado ou furo durante a estruturação do que compreende a parte principal do longa.

A conclusão é terrivelmente mal justificada. A personagem principal tem um balde frio de ação jogada em sua cuidadosa dosagem de suspense desenvolvida até então. O encaminhamento barato e o próprio desfecho rápido, sem sal e grosseiro com certeza rasgou a seda da narrativa. A conclusão foge de um gosto opinativo para entrar em uma espécie de trash deslocado da ficção científica onde os personagens não precisam se desculpar com o roteiro por agirem daquela maneira. Tão descabido é quanto uma animação sobre princesas que entram em universo de carros de corrida em uma única cena. Sendo visto independente da obra de 2008, Cloverfield: Monstro, o longa se sente obrigado a se justificar sem valorização alguma ao que representa. O estreante Trachtenberg cometeu um erro a ser lembrado.