Crítica | Roma (2018)

Nota do Filme :

Quando foi anunciado que o próximo longa dirigido por Alfonso Cuarón seria produzido pela Netflix, notou-se que a empresa apostou alto na conquista do Oscar. Além disso direta ou indiretamente foi possível os padrões de divulgação desse tipo de filme, visto que a maioria dos longas que compõe os selecionados da premiação não são de tão fácil acesso para todos, o que os torna tornando algo de nicho. E, apesar de ter se arriscado, a empresa logrou-se exitosa nesse quesito, sendo quase absoluta a chance de conquistar a estatueta dourada.

Primeiramente deve-se ressaltar que o filme é sobre reflexos, silêncio e amor, e que, com isso, alguns espectadores podem achar maçante. Porém são essas características que tornam o longa arrebatador, aliada à colossal capacidade técnica de Cuarón, se tornando uma experiencia sensorial e visual, independentemente da simplicidade do enredo, que acaba se tornando forte por conta disso.

E ao falar sobre a trama é indispensável que seja abordado o roteiro, que apesar de abordar assuntos comuns, é singelo e íntimo, conseguindo levantar tópicos recorrentes da sociedade nos anos 70, e infelizmente até hoje, como machismo, relação entre patrão e empregados, dualidade entre ricos e pobres, de forma que não precisa ser explicitado ou questionado a todo instante. Quando são abordados esses tópicos na narrativa é feito através de uma simples frase desconexa no momento, porém compondo o panorama principal, sem grandes indagações filosóficas ou longos monólogos sendo ditos em tela. Ademais, por causa dessa simplicidade do roteiro, Cuarón consegue estabelecer uma linha temporal coesa, na qual a história possui inicio, meio e fim, sem precisar enrolar ou inventar resoluções para os personagens.

Com isso, um recurso que o diretor usou para dar toques ainda mais intimistas ao seu longa foi o de utilizar um elenco inteiramente desconhecido, incorporando características do neorrealismo italiano, tendo destaque para Yalitza Aparicio que consegue transmitir todas as angustias pelo silêncio, ou melhor, pelo não dito.

Associada a isso e a toda atmosfera do filme, têm-se a fotografia executada em preto e branco feita pelo próprio diretor, transformando o longa em algo que remete a alguma memoria afetiva de tempos atrás, dando contornos cálidos nos momentos de alegria e traços lúgubres nos de tristeza, além de ser visualmente estonteante e intoxicante, somada ao sentimento de nostalgia e acalento infantil em meio as diversidades, tornando-o arrebatador.

Além da fotografia, Cuarón também realizou a edição do longa, conjuntamente com Adam Gough, que apesar do filme ser composto por muitos planos longos conseguiu manter a composição da linha temporal bem articulada, na qual a execução não se torna maçante por ser feita de forma precisa, bem como na hora de constituir o simbolismo presente na narrativa, se utilizando de pontos de vistas diferentes da mesma situação, que é apresentada novamente no decorrer do longa, conseguindo estabelecer muito bem esses contrastes.

Ademais, é necessário exaltar o trabalho de direção realizado por Cuarón, que conseguiu estabelecer essa atmosfera sentimental saudosista, utilizando-se de muitos movimentos de travelling, câmera na mão, incorporando o já citado neorrealismo, e, por ter feito a fotografia e a edição, seu trabalho se torna mais consistente já que há mais controle sobre os elementos estílicos da narrativa, além do controle de cena impecável, conforme é ilustrado na cena do protesto.

Outro componente do longa que merece ser realçado é o som, que cria a sensação de vazio durante as cenas, pois, visto que o filme se responde pelo silêncio, os momentos em que os sentimentos estão implícitos serão amplificados pelo barulho do vento ao fundo, o som dos animais em meio ao nada, o barulho dos carros passando pela rua, evidenciando principalmente a relação da protagonista com o mundo a sua volta e a situação que ela está lidando.

Portanto, Roma é o grande filme do ano, uma realização impar na carreira de Cuarón, uma aposta certeira da Netflix e uma carta de amor para a mulher que criou o diretor, que ao escreve-lá com a câmera para ela acabou realizando um estudo social sobre essas relações face ao contexto social inserido, batalhando contra a indiferença com a arma mais forte a ser utilizada: o amor.