Nota do Filme:
O drama dentro da ficção-científica funciona quase como uma alegoria natural para o desenvolvimento de praticamente qualquer roteiro. Essa projeção de um futuro próximo ou uma grande distopia espacial, quase sempre programada para dar controle total ao que acontece aos criadores, se livra de regras e foca totalmente na tarefa de contar uma estória curta e redonda. Em Passageiros, esse detalhe contista é muito característico. Existe uma raça humana avançada, um êxodo calculado para outro planeta e pouquíssimos personagens que são a duvidosa força que move o conto sobre destino, conformismo e amor. E na temática do amor, dentro da ambientação do filme, a química acontece com a plasticidade de maneira genial. Apesar de comprimir um roteiro pequeno em um grande e completo cenário robotizado e vazio de vida, há no pequeno elenco uma harmonização incrível para completar o que é ausente na nave da Homestead. É levando sua duração com esse balanço saudável de drama e conflituosas decisões que a trama ganha destaque único para o contexto sci-fi. Contudo, fatalmente Passageiros cai em previsibilidade e decepção com uma gradualidade desconfortável a partir de sua segunda metade.
É tentando criar uma alegoria existencial que Passageiros desenvolve os seu maneirismo e roteiro previsível. A direção tenta aqui abordar um conto de amor simplista, mas que ao mesmo que apresente o óbvio drama de seu simples acontecer, também faça dele um mote para que algo maior se resolva dentro da trama. O algo aqui é um conflito posterior derivado do mesmo que deu origem a toda a estória. A nave sofre com um problema e os poucos acordados precisam resolvê-lo. É com essa distinção que a trama se salva de um afogamento dentro da pura ficção-científica de fundo e um enfadonhos clichês de paixão e relacionamentos na sua frente. É previsível que a luta para sobreviver os unirá em algum ponto, mas Jim Preston (Chris Pratt) serve bem na narrativa para derivar novos problemas dentro do outro campo. Esses pontos espalhados na narrativa que absorvem a atenção do público passam quase despercebidos dada a sua progressão bem linear e individual. Nada acontece ao mesmo tempo, tudo apresenta fases muito bem fluídas, mas que não servem para escalar qualquer grande clímax. É por essa injúria no roteiro que o longa não consegue convencer e ao mesmo tempo simpatizar com um público por muito mais seriedade do que a de um filme clichê. Quando se pensa que um final trágico e realmente memorável está para ser construído, Passageiros o dá mais clichê e mais motivos para ter uma experiência pouco traumática. Um desperdício do gênero, uma frustrada inovação.
Um destaque colateral da narrativa acontece quando o espectador testemunha a desenvoltura de Arthur (Michael Sheen). A importância dele para a trama e as decisões de Jim são tão essenciais quanto supervalorizadas pelo roteiro. Boa parte da autonomia do protagonista que acorda da câmara de hibernação defeituosa deriva dos confortáveis diálogos com o androide atrás do balcão do bar. São nessas passagens que o roteiro se torna muito visível e por esse lado deixa o destino da trama completamente entregue à previsibilidade. Arthur consegue refletir e pensar um pouco a frente, algo impressionante até para as regras básicas da ficção-científica, mas ainda assim aceitável dentro do campo criativo de uma obra independente como Passageiros. Antes de padronizar qualquer coisa, o filme tenta dar ao personagem a responsabilidade de testemunhar mais do que agir em função dos protagonistas. É na canalização das energias boas ou ruins de ambos através das conversas isoladas ou em conjunto que o androide ganha extrema naturalidade, ultrapassando até os expressivos personagens humanos.
O filme tenta tocar na temática da vida e do real sentido dela quanto a conformidade. De um jeito ou de outro todos morrem. O caminho trilhado até isso pode ser mudado, redirecionado, buscado, mas nunca atrasado. Quando se coloca esse tema em debate usando o plástico cenário da nave, algo químico acontece. Passageiros não erra muito por não ousar. Em diversos momentos da narrativa uma criança poderia julgar o melhor destino para uma cena que melhor progrediria para um final impactante. Essas tomadas de decisão afetam vertiginosamente o núcleo de personagens e o próprio cenário. A desculpa para a conclusão do filme acaba sendo boba quando analisada de perto e colocada lado a lado com todo o trato ambicioso de um romance nessa distopia. Se o espectador se esforçar muito consegue sim sentir algo que os atores falharam em passar. É impossível não lembrar de Náufrago aqui. Eliminando qualquer semelhança com filmes do mesmo gênero, a ficção científica acaba aparecendo mais do que a própria história, e isso faz com que o longa boie em mais clichês, mas agora dentro de um gênero diferente.
Ainda que distante de trazer um bom drama para a temática, Passageiros é capaz de abordar questões muito pertinentes dentro de projeções distópicas. Aqui o subjetivo ganha um caráter importantíssimo por trás do roteiro nada complexo. Os personagens conseguem passar bem essas ideias, mesmo que suas interpretações fujam muito de qualquer proximidade de uma relação humana mais comparativa a nossa (algo supostamente proposital). A obra possui um caráter de revisitação que só filmes assim podem possuir graças a uma compactação incrível para a mensagem final. Mesmo que com uma conclusão que divide muitas opiniões, o longa consegue estabelecer-se bem no gênero quando o utiliza na prática para em diversas situações entrar diretamente nos diálogos sem utilizar qualquer esforço do roteiro para isso. Passageiros ganha o mérito da inovação e da praticidade, mas descumpre conceitos e decepciona com péssimas decisões para a determinante na sua estória e com isso cai em clichês intoleráveis demais para alcançar qualquer qualidade dentro da inexplorada mistura de gêneros.