Crítica | Palm Springs (2020)

Nota do Filme:

É curioso lembrar que, em 2017, Cristin Milioti atuou em USS Callister, primeiro episódio da quarta temporada de Black Mirror. No capítulo em questão, sua personagem – ou melhor, uma parte de sua consciência – fica presa em um simulador de jogo criado por um colega de trabalho manipulador, e, diante do desespero da situação, passa a imaginar formas de escapar dessa cruel realidade. E por que isso é curioso? Porque em Palm Springs a atriz volta a dar vida a alguém que se depara com uma situação semelhante, embora com discussões e temáticas diferentes.

Igualmente, também não deixa de ser curioso notar que, em 2012, Andy Samberg protagonizou, ao lado de Rashida Jones, Celeste e Jesse Para Sempre, uma elegante comédia romântica que se destacava das demais por não subestimar a nossa inteligência. E por que isso é curioso? Porque em Palm Springs o ator volta a dar vida a um sujeito inserido em um conto extremamente honesto.

Na trama, somos apresentados a Nyles (Samberg) e Sarah (Milioti), desconhecidos que se encontram em um fim de semana no qual a irmã da garota irá se casar na cidade californiana que dá título ao longa. Após uma noite de flerte e sintonia que culmina em um desfecho inesperado, a dupla precisa lidar com o fato de que está presa em uma realidade na qual o dia do matrimônio se repete constantemente, em uma espécie de Feitiço do Tempo (ainda mais) distópico. 

Algo que chama a atenção no filme, desde seu início, é a maneira como a história toma rumos inesperados ainda em seu primeiro ato. Assim, se logo de cara a sensação é a de estarmos diante de uma comédia romântica nada original, o roteiro não hesita em fazer curvas abruptas e, em menos de vinte e cinco minutos de projeção, já presenciamos uma enxurrada de informações e conceitos que enriquecem a narrativa. Méritos para o roteirista Andy Siara, que brinca com as percepções do espectador ao incluir convenções da rom com para logo em seguida focar em dramas pessoais com toques de ficção científica.

Tomemos como exemplo este que vos escreve; enquanto assistia ao filme, uma de minhas anotações (ainda com menos de meia hora) foi um singelo “WTF?!”. Felizmente, à medida que a obra ia se desenvolvendo, a observação foi ganhando conotações positivas, uma vez que, ao invés de optar por resoluções fáceis e simplistas, o enredo suscita discussões mais maduras do que poderíamos imaginar. 

Dessa maneira, Palm Springs percorre um caminho que trata dos desafios da vida de casado, da superação das monotonias do cotidiano, de como encontrar meios de lidar com as repetições da vida em comum, da dicotomia entre ficar sozinho e ter uma companhia, enfim, de como evoluir como pessoa/par no dia a dia. E, o que é ainda mais admirável, faz isso provocando risadas durante o processo, o que só melhora sua avaliação.

A direção de Max Barbakow também é elogiável, ainda mais quando consideramos que lida com inúmeras repetições, o que aumenta o desafio em não deixar a história cansativa. E isso é evidenciado em diversas gags, como a que mostra latinhas de cerveja sendo atiradas na água de uma piscina, filmadas como se fossem balas de um revólver, ou a clássica montagem de treino acompanhado de música, desta vez adaptada para um contexto envolvendo física quântica.

Com uma dupla de protagonistas carismáticos e demonstrando uma ótima dinâmica (e com uma eficiente participação de J.K. Simmons), Palm Springs diverte na mesma proporção que emociona, sendo uma excelente pedida para quem deseja algo mais criativo e desafiador no mar de mesmice que se tornaram as obras do gênero.