Crítica | Os Incríveis 2 (Incredibles 2) [2018]

Nota do Filme:

Mais de uma década depois do sucesso Os Incríveis de 2004, a família mais famosa das animações retorna forte e chamativa. Se a maioria esperava que as escolhas do diretor e roteirista Brad Bird para o novo certeiro sucesso enlatado fossem muito diferentes das do primeiro filme, acertaram tanto quanto erraram. De fato, o quanto a proposta de Os Incríveis 2 resgata os elementos seguros e que funcionaram na química do clássico filme isolado (já quase visto assim depois de tanto tempo), mergulha no exploratório e em um acabamento de tirar o fôlego do primeiro ao último minuto. É  unânime, contudo, no que melhor pode ser resumido como ”diversão em salto-alto”.

O filme começa a partir da deixa do que pode ser por muito tempo o maior cliffhanger do gênero fora e dentro da Pixar. A promissora e inesperada trama do Escavador (John Ratzenberger) se apresenta como clímax e solução. Uma possível reticência para trancar o progresso do primeiro filme e ao mesmo tempo causar a ponte para um possível segundo. Um truque já bastante batido na indústria. A maior prova disso é a saga Star Wars e a estrutura descompromissada de suas continuidades em cada conclusão fechada.

Para a continuação de Brad Bird, no entanto, a cena ligada talvez tenha o menor propósito do longa inteiro. É também onde o roteiro é descredibilizado sem qualquer escrúpulo, um vilão é deixado para trás e um novo modelo de vida ilegal para os super-heróis passa a tramitar no país com a decisão de alguns ”cabeças” que pesam que salvar o dia não custa o preço da destruição do patrimônio público.

A família Pêra não fica muito tempo fora da ativa como se podia esperar. A ausência dos heróis nas ruas tem imediatamente os dias contados quando o Sr. Incrível (Craig T. Nelson) e a Mulher-Elástica (Holly Hunter) são convidados a fazer parte do que parece ser um grande projeto de marketing cujo objetivo é promover a boa índole dos heróis dentro de uma sociedade que os rebaixa à ilegalidade por seus poderes potencialmente destrutivos.

Tudo isso é feito por amplo monitoramento e acessórios de ponta financiados pelo influente Winston Deavor (Bob Odenkirk) e a mente por trás da genialidade de suas inovações, Evelyn Deavor (Catherine Keener). Com a Mulher-Elástica sendo encorajada a ser a nova cara do empolgante e promissor projeto dos Deavor, Helena Pêra usa mais uma vez o uniforme clássico para combater o crime já com essas intenções. Aqui acontece a primeira e mais clara divisão da narrativa. Enquanto Helena assume a frente de sequências de ação de tirar o fôlego no novo filme, Beto deve permanecer na nova residência cedida pelos Deavor com a sua família.

Manter Zezé (Eli Fucile) sob controle, ajudar Dash (Huck Milner) nas lições de casa e dar uma mãozinha para os sentimentos amorosos de Violeta (Sarah Vowell) são algumas das difíceis atividades que o filme traça para que o Sr. Incrível, imponente e determinado no primeiro filme, descubra lentamente a função paterna de Beto Pêra. Na divisão inicial das narrativas, o fluxo agrada e conversa muito bem com os dois lados. Não há pressa ou enrolação dentro do que é no início, meio e fim, importante de ser retratado.

Contudo, é quando nos aproximamos da metade do filme que se torna mais evidente o quanto a obra realmente amadureceu. Com uma beleza impossível de não ser notada para a nova geração de animações, não se perde nas aparências para decepcionar com uma história. Embora o maior deslize aqui venha justamente com o elemento da previsibilidade dentro da trama, nenhuma parte dela compromete todo o resto.

Somos apresentados em Os Incríveis 2 ao seu lado mais experimental quando provamos do que é e poderia ser o vilão da trama: Hipnotizador (Bill Wise). É impossível não recordar vilões meticulosos e perversos de filmes de super-heróis modernos. Brad Bird derrama muito bem os anos de observação e trabalho no roteiro do novo filme tomando partido desta nova era de antagonistas. Seja para sepultar o legado de que heróis são egocêntricos e ameaçadores para a sociedade ou de controlar cada inocente que puder, lidar com as duas coisas enquanto o investiga de longe com pistas cada vez mais óbvias é trabalho para a Mulher-Elástico. E por falar em investigar, a atmosfera das cenas com tal intuito é muito bem acabada. O clima de filmes de espionagem antigos e a própria trilha escorrem nas ações dos personagens envolvidos com uma antecipação e suspense inevitáveis de acontecerem.

O vilão, enquanto carrega o que é a saga em seus elementos mais lúdicos para um lado mais sombrio e manipulador, vende também para um público mais velho a ideia de que mudou e se adapta a sua época. No entanto, quando se trata de uma artimanha impressionante ou um grande plano final antecipado por um plot-twist digno, o empreendimento de Brad Bird falha sem qualquer apoio. Ainda que seja uma etapa controversa da trama, as reviravoltas podem dividir opiniões entre decepção e encadeamento divertido de cenas. Os Incríveis 2 é uma promessa certa de diversão que não se compromete, mas também não satisfaz por impressionar no aspecto de uma grande nova aventura. É um debate certeiro com um storytelling fenomenal aliado a ele, mas não muito além disso na liderança das animações modernas.

Acompanhado pela já premiada trilha de Michael Giacchino (Up, Altas Aventuras, Os Incríveis), o longa tem sobre si derramada diversas mixagens do clássico tema do primeiro filme na concepção de todas as suas cenas. Embora escolha poucas batidas para a sonorização de fundo de cenas mais estáticas, não deixa de apresentar uma clara preocupação com a evolução de uma situação como esta para uma inesperada briga em um beco ou no topo de um prédio, por exemplo. Há na tentacular possibilidade da trilha principal e na edição de som uma imprevisibilidade que quanto menos o espectador espera, o empolga junto ao que diretor joga em cena. Sem se comparar ao orquestral que acompanha ou a neutralidade que simplesmente preenche, isso torna Os Incríveis 2 um apurado lançamento que usa e respeita o significado de uma boa trilha dentro de sua composição já atordoante de visual e progressão.

Depois de tanto tempo, a mente de Brad Bird consegue alinhar um elenco poderosíssimo com um trabalho de acabamento minucioso e que não poupa na preocupação com as etapas artísticas. As personalidades evoluem desde o primeiro filme, personagens descobrem novos gostos e provam de novas experiências. A família Pêra, não abandonando o clássico que era, se adapta ao tempo e ao espaço com a liderança do filme em suas mãos durante todo o tempo. O debate não só orbita com as suas decisões, mas também vira consequência delas nos personagens secundários, não menos fortes e presentes do que os originais aqui. Junto a revisitação de personagens memoráveis do primeiro filme e a uma dublagem sensacional, o filme chega  com a proposta de divertir a todos os públicos com a mesma genialidade e com a nova proposta de fazer isso enquanto explora o que é dentro do cenário, uma história de uma inusitada família de super-heróis desromantizados. Humanos, como qualquer um de nós.