Crítica | O Refúgio (The Nest) [2020]

Nota do filme:

Acho que todos já estamos carecas de saber que, num filme, quando uma família se muda para uma mansão antiga e distante da cidade, é sinal de que coisas ruins vão acontecer. Cansamos de ver elementos como o da casa assombrada em filmes de terror, mas nada impede que eles transitem entre outros gêneros, como o drama. No excelente Martha Marcy May Marlene (2011), o diretor e roteirista Sean Durkin parece ter começado uma tradição de unir recursos de ambos os gêneros, alcançando resultados no mínimo diferentes. Em O Refúgio, ele volta com uma narrativa complexa e assustadora sobre uma família em ruínas, condenada a viver sob uma energia sinistra.

A história se passa nos anos 80, quando se separava rapidamente vencedores de perdedores e o importante era estar por cima o mais rápido possível. Num contexto como esse, o que seria mais trágico que nunca estar satisfeito? Assim, os elementos sobrenaturais dão espaço para a angústia de se deparar com a realidade, que por si só já mantém o espectador num constante estado de alerta.

Realidade brutal

Rory (Jude Law) é uma dessas pessoas que busca conseguir o máximo com o mínimo de esforço. Depois de anos morando nos EUA, perseguindo o “sonho americano”, decide voltar com a família para a Inglaterra na esperança de aproveitar o boom econômico. De início, sua esposa Allison (Carrie Coon), não aceita bem a mudança, porém acaba abrindo mão de seus planos pelo sonho do marido. Mas apesar do luxo da mansão onde vão morar com os filhos, em Surrey, a ambição de Rory dá origem a um distanciamento, abrindo fissuras na relação e criando um clima de hostilidade crescente entre os membros da família.

A trama de O Refúgio é brutal e autodestrutiva, como qualquer história onde a felicidade se pauta pela ganância e o desejo de status. Os dois protagonistas representam um contraste que pode ser fatal num relacionamento: um é realista e o outro idealiza demais, e ambos nunca se entendem. Enquanto Rory finge uma vida de mentira só para alimentar seu ego gigante, Allison é feliz trabalhando num estábulo, cuidando de cavalos e ensinando equitação. O que era, aparentemente, um relacionamento tranquilo, vai se transformando conforme eles tomam conhecimento do buraco em que os planos de Rory os colocaram.

O horror no drama familiar

Os filhos acabam sofrendo por tabela, sentindo os efeitos de terem pais que investem mais tempo correndo atrás de suas paixões que, de fato, doando afeto e cuidado. Assim, conforme a história se desenrola, fica claro que o refúgio do título não passa de uma mera ilusão. O roteiro trabalha bem para criar essa sensação corrosiva, representada pela mansão onde moram, símbolo de mentiras e tão sombria quanto o relacionamento dos personagens.

Mesmo que a interpretação de Jude Law seja eficiente, é Carrie Coon o maior destaque de O Refúgio. Ela internaliza e expõe suas frustrações de forma impressionante e serve como representação de um importante arquétipo da mulher contemporânea. Ainda que não acrescente nada realmente novo à categoria de dramas familiares, são muito interessantes as nuances que resultam dos elementos do terror usados na direção de Durkin. Essas técnicas funcionam como o diferencial que o filme precisava para garantir uma dimensão a mais. Ele se torna, assim, um drama sofisticado sobre uma família em pedaços morando, não numa mansão assombrada, mas num castelo de cartas prestes a desmoronar.