Crítica | O Oficial e O Espião (J’accuse) [2019]

Nota do Filme:

Em 1894, um caso chocou a sociedade francesa e se tornou exemplo emblemático do antissemitismo vigente: o Caso Dreyfus. O oficial do exército francês e judeu, Alfred Dreyfus, foi acusado de traição e submetido a um doloroso julgamento até sua condenação baseada em documentos falsos. Um longo processo em busca de sua inocência se seguiria – inclusive com a notória participação do escritor Émile Zola -, só resultando na total absolvição e reintegração de Dreyfus em 1906. Um dos envolvidos no caso e que desempenhou papel fundamental em seu desfecho foi o Coronel Georges Picquart, que notou a falsidade dos documentos utilizados no julgamento. 

Pois é justamente a atuação de Picquart o foco de O Oficial e O Espião, novo longa de Roman Polanski. Com base no livro An Officer and a Spy (2013), de Robert Harris, o roteiro de Polanski e do próprio escritor resgata os acontecimentos a partir das investigações de Picquart (Jean Dujardin) e de sua relação com Dreyfus (Louis Garrel). A dupla de protagonistas, aliás, estabelece certos contrastes. Se Dujardin emprega vivacidade e energia, além de seu habitual carisma, Garrel está pouco expressivo e não parece muito à vontade na pele de seu personagem.

Um dos mais evidentes problemas da obra é que seu roteiro se torna muito factual e pouco fluido, lembrando um documentário feito para a televisão. Da mesma forma, é interessante notar como, embora tente soar o mais apurado do ponto de vista histórico e com o mínimo de dramatização possível, o filme não deixa de flertar com temas contemporâneos, como o nacionalismo exacerbado e a xenofobia crescente. Já o talento do diretor para construir suspenses e tensões, visto em vários momentos de sua filmografia, surge em momentos-chave da trama.  

Figurino e recriação de época se destacam e são essenciais para a imersão do espectador da história, assim como merece destaque o trabalho do designer de produção Jean Rabasse (que já havia feito bons trabalhos em Jackie e Os Sonhadores).

Mas o fator que mais enfraquece o longa, porém, não está relacionado a qualquer um de seus aspectos técnicos, tampouco reside em algo mostrado em tela. Trata-se da tentativa de Polanski em utilizar o Caso Dreyfus como analogia à sua própria situação (o que sequer é sutil; o diretor foi explícito em deixar isso claro durante entrevista no Festival de Veneza, quando o filme estreou). O cineasta, como se sabe, deixou os Estados Unidos em 1978 por estar sendo julgado por manter relações sexuais com uma garota de 13 anos de idade (e 30 anos mais jovem que ele), a modelo Samantha Geiner, sendo até hoje considerado foragido pela justiça norte-americana. Estabelecer qualquer paralelo entre Dreyfus, um sujeito perseguido por motivações xenófobas e antissemitas e sentenciado à prisão com base em provas forjadas, com Polanski, que admitiu os fatos já em 1977, é, além de desonesto, profundamente desrespeitoso com a memória do oficial.

Desse modo, O Oficial e o Espião se apresenta como um registro histórico que se pretende urgente em um primeiro momento, como uma espécie de alerta para tempos atuais. Mas que, tendo seu véu de preocupação legítima retirado, se revela uma obra cínica e egocêntrica.