Crítica | O Irlandês (The Irishman) [2019]

Nota do Filme :

Martin Scorsese, sem dúvidas, é um dos maiores cineastas da história. Autor de diversos clássicos como Taxi Driver (1976) ou Os Bons Companheiros (1990), as produções que levam o seu nome geralmente possuem um peso maior e já desperta a curiosidade do público, pois sabe que o diretor é sinônimo de qualidade.

“Conhecido como ‘O Irlandês’, Frank Sheeran (Robert De Niro) é um veterano de guerra cheio de condecorações que concilia a vida de caminhoneiro com a de assassino de aluguel número um da máfia. Promovido a líder sindical, ele torna-se o principal suspeito quando o mais famoso ex-presidente da associação desaparece misteriosamente.”

Diferentemente de outros clássicos filmes sobre máfia que levam a assinatura do diretor, esse, apesar de tratar da mesma temática, opta por abordar o assunto de outra forma, trocando a violência pela emoção, dissecando as consequências dessa carreira na fase final da vida já que nada é eterno.

Para isso, o roteiro parte da premissa de narrar a história pela ótica de Frank, utilizando a narração em off para contar os fatos e alternar a trama entre passado e presente, sendo esse o recurso que interliga as linhas temporais. Além disso, a montagem tem papel fundamental para fazer o texto funcionar como deve, visto que as linhas temporais vão se intercalando sem que o espectador fique confuso ou perdido, além de aprofundar os personagens e desenvolver a empatia deles com o público necessária para a catarse final, ditando o ritmo da trama, na qual há toda a calma para desenvolver a narrativa. posta, ainda, em uma montagem ágil para não cansar o espectador em seus 209 minutos de projeção, proporcionando momentos frenéticos no compasso que o enredo avança sem pressa.

Desse modo o roteiro, ao mesmo tempo que não tem pressa de contar os eventos, aprofunda os personagens com diálogos dinâmicos, revezando entre a seriedade e a irreverência, mas sem quebrar a atmosfera de tensão que recobre a trama. Ademais, o roteiro desenvolve duas tramas do protagonista simultaneamente: a sua ascensão ao mundo do crime e em como isso prejudica a relação com a sua família, principalmente com a suas filhas.

Sendo assim, a fotografia se destaca principalmente pelo uso do verde, que demonstra o crescimento de Frank no mundo do crime, e, conforme ele ascende na carreira, principalmente após a introdução de Jimmy Hoffa (Al Pacino) na narrativa, se tornando quase uma constante nos cenários. Ainda, a fotografia do passado, que é a história narrada pelo personagem de De Niro, possui cores mais quentes, o que representa o saudosismo dele por essa época dos seus anos de glória, enquanto no presente há mais cores frias, demonstrando essa apatia pela vida atual com toda as mágoas adquiridas por conta das escolhas que tomou. No mais, após ser consumido pela carreira, o verde vai ficando de lado e o azul começa a surgir, o que significa que a melancolia e a solidão pelas escolhas que tomou está começando a atingi-lo, mas sem arrependimentos.

Além disso, as cores da direção de fotografia também são ratificadas pela direção de arte, que, além de executar um trabalho fantástico de ambientação que atravessa inúmeros anos, contribui para a mise-en-scène com a exteriorização das personalidades dos personagens, por exemplo, ao compor o ambiente que Frank está com vários objetos verdes, demonstrando o quão empenhado ele está em crescer na carreira que escolheu ou o quanto ele já ascendeu.

Entretanto, todos esses elementos são regidos pela direção de Martin Scorsese, que utiliza a experiência que acumulou durante toda sua carreira em diversos momentos com os mais variados recursos, desde a aplicação de slowmotions para intensificar determinados momentos, dos movimentos de câmera que caminham pelo cenário, tal como a Nouvelle Vague, ou a câmera estática aliada da edição para criar as emoções, que são ratificadas pelas atuações do seu trio de estrelas principais. Ainda, principalmente nas cenas de violência, ele opta por tomadas mais longas, o que deixa a ação mais crua e visceral, quebrando a expectativa da audiência naquele momento.

No mais, deve-se destacar as atuações do trio principal do longa: Joe Pesci, Al Pacino e Robert De Niro. O primeiro e o segundo são personagens antagônicos entre si, apesar de possuírem muitas similaridades. Pesci monta o seu personagem mais contido, com um tom de voz áspero e um olhar penetrante, sendo um homem de poucas palavras, mas que transmite ameaça quando necessário. Já Al Pacino é mais enérgico e verborrágico, possui diversos trejeitos com as mãos para se comunicar, além de um tom de voz mais alto e uma personalidade mais teimosa. E De Niro é a síntese desses dois personagens, pois ao mesmo tempo que possui um tom de voz moderado, em diversos momentos ele é eloquente e fala ameaçadoramente, sendo por vezes mais firme e, em outros, mais calmo, como se não importasse, porém, entregando a emoção necessária nos momentos mais dramáticos, principalmente durante o trecho final em que o arrependimento passa a ser um tópico.

Portanto, O Irlandês é sem dúvidas um dos melhores filmes de 2019 e da filmografia extensa de Martin Scorsese, sendo um raro filme sobre máfia que ele ainda não havia realizado, que vai além de simplesmente ter uma organização criminosa. Esse longa é sobre arrependimentos, o que, se tratando dessa temática, é algo não convencional, porém se torna uma abordagem válida para dissecar se as escolhas valeram a pena no final.