Crítica | O Formidável (Le Redoutable) [2017]

Imagem: Divulgação

Inegavelmente, Jean-Luc Godard é um dos cineastas mais importantes da história, tecnicamente brilhante, ele foi um dos iniciadores de um dos movimentos mais prolíficos do cinema. Diretor de filmes como “Acossado”, “O Demônio das Onze Horas”, “O Desprezo” e “A Chinesa”.

Este último, conta a história de quatro estudantes, seguidores do Marxismo – Leninismo, com o plano de mudar o mundo, seja espalhando a ideologia na qual acreditam, seja usando de práticas agressivas e extremistas, como o terrorismo, por exemplo. Veronique (Anne Wiazemsky) é a líder do grupo.

Anne Wiazemsky, nessa época, também era mulher de Jean-Luc Godard, essa é a história de “O Formidável”. O filme conta a relação entre os dois, consolidada após o termino das filmagens de “A Chinesa” com o casamento. Acompanhamos a jornada deles, em meio a fase política do cinema de Godard, que culmina com a revolução estudantil de 1968.

Dirigido por Michel Hazanavicius, diretor de “O Artista”, esse “O Formidável” é um filme não apenas sobre um diretor e sua personalidade fora das telas, dos eventos e do sucesso, mas é uma projeção a respeito de uma corrente cinematográfica, do estilo revolucionário dessa fase do realizador.

Vemos isso claramente graças a decisões estruturais do filme, como por exemplo no que diz respeito aos movimentos de câmera. São usados de maneira recorrente os tradicionais travellings para o lado, tão presentes em “A Chinesa” e “O Desprezo”, sem esquecer dos movimentos para trás, como aqueles presentes em “Acossado”, na cena inicial, onde a moça está andando e Godard a acompanha com a câmera na mão, em sentido oposto a ela, enquadrando-a de frente.

Outro exemplo claro, são os títulos que aparecem durante o filme, seja a divisão da obra em capítulos, seja com palavras aparecendo no meio das cenas, de forma alternada, como quando Godard fala do conceito de revolução em um comício, enquanto ele apresenta definições de figuras conhecidas do público, a definição da palavra presente no dicionário aparece na tela.

Porém, o foco da projeção é na pessoa Godard e no relacionamento com Anne, vemos como a obra não economiza em mostrar o diretor de uma maneira real, fugindo da idealização. Por isso, vemos o diretor como uma pessoa altamente grossa, que tenta ser o tempo inteiro a figura dominante do casal, quase nunca tratando a companheira como uma pessoa igual a ele, pedante, prepotente e além de ser grosso com amigos (em alguns momentos, com a própria mulher), ele é grosso com as pessoas, como é claramente visto quando alguém desconhecido o aborda na rua, apenas por ser um fã.

Tudo isso é passado com maestria e sutileza por Louis Garrel, demonstrando ser a escolha acertada para o papel, não apenas por seu talento (percebam como a voz dele mudou para a interpretação), mas também por sua semelhança física com o Godard, que chega a ser chocante e é inevitável pensar que o papel dele em “Os Sonhadores” de Bernardo Bertolucci (ele interpreta um ferrenho apoiador da revolução estudantil) não tenha servido como fator influenciador para o casting. Stacy Martin também está ótima como Anne, é perceptível, graças aos seus olhares, sorrisos e jovialidade, como ela foi apaixonada por Godard, mas, com o passar do tempo, a relação chegou a um limite sério, onde ela não era livre, e a atriz teve a inteligência de mudar seu olhar (de feliz para triste) e o seu jeito de andar, que foi de leve e descontraído para pesado.

Aliado a essas atuações competentes, está a ironia do filme, também uma referencia a obra de Godard, como por exemplo, o uso de uma trilha sonora musical com canções animadas em cenas tristes ou de discussões, como no caso da cena no restaurante e na cena do protesto estudantil e o óculos do Godard quebrando várias vezes, devido a uma série de diferentes eventos, serve como metáfora da vida do próprio, apesar das múltiplas tentativas de prosperidade (na vida pessoal ou na profissional), nada dá certo e ele tem de começar de novo, assim como os óculos quebram e ele tem que comprar um novo par.

Logo, “O Formidável” é um filme competente em tudo aquilo que tenta fazer, conta com duas ótimas atuações e faz um retrato da personalidade de um dos diretores mais importantes da história. Além de servir, mesmo com a não idealização do personagem principal, como homenagem a obra deste, devido as múltiplas referencias e decisões técnicas tomadas por outro realizador talentoso.