Crítica | O Anjo (El Ángel) [2018]

Nota do Filme:

A liberdade absoluta é algo ansiado por muitas pessoas, que se sujeitam a inúmeras situações em que alguns fariam de tudo para atingi-la, ou ao menos chegar perto dela, superando todos os limites morais e sociais aceitáveis para isso.

Desde a adolescência, Carlos (Lorenzo Ferro) tem o hábito de invadir casas alheias, pelo simples prazer que o ato lhe dá. Às vezes ele leva algo para casa, mas jamais para ganhar dinheiro, apenas para curtir o momento. Ao conhecer Ramón (Chino Darín) em sua nova escola, ele logo é apresentado a um universo mais profissional de crimes, já que o pai dele é veterano da área. Carlos logo se destaca pela ousadia nos crimes que comete, impulsionado pela atração que sente por Ramón. Com o tempo, a displicência com os demais faz com que cometa onze assassinatos e se torne um dos criminosos mais procurados da Argentina.”

A cena inicial do longa estabelece o sentimento de Carlos para com os assaltos, questionando o que é ser livre, mostrando como, para ele, aquele momento significa tudo por conta da liberdade absoluta que adquire. Estabelece, ainda,, uma rima visual com o trecho final, fortalecendo ainda mais esse conceito.

A fotografia nesses momentos utiliza cores mais quentes para ressaltar esse sentimento, apesar de não ser a cor que predomina em toda a projeção, papel esse que cabe à a cor azul. Por conta disso, já que o azul se evidencia na maior parte da narrativa, a presença do protagonista se destaca em cena através de uma luz mais intensa indo em sua direção, com cores laranjas ou amarelas, tendo como objetivo torná-lo o centro de tudo.

Ademais, outro grande mérito do filme é a interpretação de Lorenzo Ferro, que exala charme e carisma em um roteiro que move a narrativa utilizando essas características para escapar dos conflitos que surgem. Além disso, o script o coloca sempre a um passo à frente de tudo, se tornando um problema em alguns momentos, como no desfecho da história.

Contudo, apesar desse recurso que utiliza para evitar qualquer punição, não há uma motivação mais aprofundada do porquê ele abraça a vida criminosa. Isso faz com que o conceito de liberdade trabalhado em um primeiro momento fique de lado, surgindo em poucos momentos, de forma bem discreta e implícita, passando despercebido.

Mesmo com esses furos, o diretor consegue transpor toda a escrita do roteiro para tela de maneira habilidosa ao não utilizar um único estilo de filmagem. Por causa disso o longa adquire uma identidade própria, mesmo que seja visível a influência do cinema de Martin Scorsese, sempre dosando moderadamente a troca de uma técnica para outra sem se tornar exaustiva.

Ainda, o roteiro utiliza a questão da androginia angelical ao colocá-la refletida na personalidade de Carlos, colocando em dúvida a orientação sexual do seu personagem, pois, por conta dessa dualidade constante, há sempre um embate visível no âmago do personagem que se reflete em tela, literalmente, pelos inúmeros espelhos e reflexos durante toda a projeção.

Por conta dessa duplicidade conflitiva, cria-se uma tensão sexual entre Carlos e seu parceiro de crimes, Ramón, que se torna ainda mais interessante quando colocada em contraste aos relacionamentos amorosos que possuem com duas irmãs gêmeas, reforçando ainda mais a ideia do embate. Além de que Ramón é quase o oposto de Carlos, tomando decisões por motivos contrários que o protagonista acredita, ou acreditava, porém isso não se sustenta e se torna desinteressante conforme a narrativa avança.

Portanto, o filme executa o “como” da narrativa de forma primorosa, desconstruindo até alguns clichês do gênero, porém o “porquê” é raso, o que prejudica a criação de empatia com os personagens, principalmente com o protagonista. No entanto, o resultado final é satisfatório, deixando apenas um gosto amargo na boca de potencial desperdiçado.