Nota do Filme:
Como lidar com as perdas que acontecem na nossa vida? Neste filme, Fern (Frances McDormand) lida com muitas, cada uma de uma forma diferente. Com a crise econômica que arrebatou os EUA em 2008, Fern, assim como muitos outros estadunidenses, se viu em uma situação financeira crítica, sem qualquer condição de continuar sustentando a vida que tinha. Somando a crise financeira à perda do marido, ela decide que é hora de ir embora da cidade em que moravam e tentar uma nova vida.
A busca por algo – que não se sabe exatamente o que é – transparece em suas andanças pelo país. Ela conhece pessoas de todos os tipos, cada uma com seu motivo para ter deixado tudo o que tinha para trás e viver de forma nômade. Inclusive, ao ser questionada se era uma sem-teto, Fern ressalta que ela não é uma pessoa sem-teto, e sim sem casa, o que não significa que não tenha um lar.
Além da jornada para dentro de si, o filme também retrata a realidade dos norteamericanos que passaram a morar em seus carros, já que a situação em que o país se encontrava não possibilitava que eles fizessem o investimento em uma casa própria. Assim como em A Voz Suprema do Blues, vemos a falácia do sonho americano muito bem retratada, mas de outra perspectiva: aqui vemos o lado do desempregado, em pleno século XXI, que apostou todas as suas fichas na vida estável que lhe foi vendida, e que foi, inevitavelmente, arrebatado pela realidade.
Com a crise provocada pelo mercado financeiro, muitos ficaram à mercê do capitalismo, sem emprego fixo e sem ter onde morar. A solução encontrada por muitas pessoas foi a de se sujeitarem a empregos temporários, sem garantias, e viverem em vans, kombis e tantos outros veículos, estacionados em parques de trailers com muitas outras pessoas na mesma situação. Estes ambientes se transformaram em verdadeiros lares para os nômades, que dividiam desde o abridor de latas até seus segredos mais profundos.
Fern transformou sua van em sua casa, com seus compartimentos personalizados e únicos, o que a torna especial a ponto de não cogitar trocá-la em hipótese alguma, mesmo quando o preço do conserto superou o valor de mercado do bem. As tomadas da personagem dentro do carro dão uma sensação de aconchego e calma, o que passa a ideia de que ela está em paz com a sua jornada até ali.
A escolha por morar em uma van e se sustentar com trabalhos temporários, cada um em um canto do país, não foi bem uma escolha no começo, mas se torna a sua opção de vida com o passar do tempo, já que algumas oportunidades de se fixar em um mesmo lugar surgiram em diferentes momentos, mas ela não conseguiu permanecer por muito tempo.
A dificuldade de criar raízes e a necessidade de sempre ir embora mostram que Fern ainda tinha questões emocionais para resolver com ela mesma, o que também fica evidente nos momentos de pura contemplação do filme – que são os meus momentos preferidos. A trilha sonora, o pôr do sol e a personagem admirando a beleza daqueles momentos únicos me levaram às lágrimas diversas vezes.
Os encontros da personagem ao longo da trama, embora muito significativos, foram todos passageiros, e isso me lembra muito o filme Na Natureza Selvagem, onde Christopher, assim como Fern, busca uma resposta para algo que só pode ser encontrado em seu interior; ambos viajaram muitos quilômetros tentando fugir de algo que não conseguiam enfrentar, e ignoraram o fato de que todas as angústias que possuíam (ou ainda possuem) são levadas com eles aonde quer que vão.
O roteiro é baseado em um livro homônimo, de Jessica Burder, cuja adaptação aos cinemas foi fiel o suficiente para retratar de forma sensível a realidade dos nômades contemporâneos, ao mesmo tempo em que aborda a jornada de descobertas de cada um e os motivos que os levaram a continuar vivendo dessa forma. A adaptação consegue explorar a busca por um significado de vida daquelas pessoas, transcendendo a luta diária pelo próprio sustento.
Com 6 indicações ao Oscar de 2021, Nomadland vem como um dos favoritos da premiação, e é a minha aposta para o prêmio de melhor atriz para incrível Frances McDormand, que me emocionou de formas diferentes neste filme e em Três Anúncios Para um Crime, a ponto de mais de três anos depois de assisti-lo eu conseguir lembrar exatamente a forma como me senti quando saí do cinema.
Sou muitas em uma só. Como já dizia o Gato da Alice: We’re all mad here. 🙂