Crítica | Não! Não Olhe! (Nope) [2022]

Nota do filme:

Jogarei sobre ti as imundícies. Eu te farei passar vergonha, farei do teu caso um exemplo”. Naum 3:6

Aproveitando a acertada parceria em Corra! (Get Out, 2018), o diretor Jordan Peele e o ator Daniel Kaluuya estão juntos novamente em outro filme de terror, mas que traz ficção científica, comédia e um punhado de faroeste na trama. Nesse mais novo thriller, a história se passa em uma cidadezinha do interior da Califórnia – Agua Dulce, onde eventos misteriosos começam a acontecer e os irmãos OJ Haywood (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer) passam a testemunhar fatos bizarros e assustadores.

Essa é a premissa da obra de Peele, que além de cineasta é ator e comediante. Ele teve seus primeiros passos no mundo artístico atuando no programa humorístico de esquetes Mad Tv, baseado na revista MAD. Contudo, a consagração de seu talento veio ao ser o primeiro negro a receber um Oscar de melhor roteiro original. Foi Corra!, escrito e dirigido por ele, que lhe rendeu o prêmio. O diretor também escreveu e dirigiu Nós (Us, 2019) e este atual Não! Não Olhe! (Nope, 2022), um bom entretenimento, mas no controle de qualidade fica abaixo dos anteriores.

Peele traz para o enredo um humor leve que contrapõe a ameaça letal que espreita o rancho da família Haywood. OJ é filho de um fazendeiro e criador de cavalos, Otis Haywood Sr. (Keith David), que os domava para participação de filmes em Hollywood. Depois da trágica morte do pai, ele passa a tomar conta dos negócios da família e é auxiliado pela irmã, uma jovem expansiva e comunicativa que não poupa esforços em criar oportunidade para se tornar rica e famosa. É a partir do encontro com um suposto disco voador que tudo muda naquele local.

A fatídica descoberta deixa os irmãos apreensivos em um primeiro momento, mas logo surge a ideia de tirar proveito da situação. A intenção deles antes de ser investigação para proteção e segurança contra a enigmática e possível ameaça é capturar e registrar uma imagem ou filmagem do objeto na câmera para lucrar com o caso. A verdadeira finalidade resta ainda mais evidente quando um dos personagens questiona o real propósito da ação deles. Fica claro que o intuito não é reportar o caso a fim de buscar proteção para a população, mas apenas lucrar com a história e sair da condição em que se encontram.

A mensagem de Não! Não Olhe! é mais simples que a dos antecedentes, não tem o primor e o impacto de Corra!, nem a excentricidade de Nós, lembra mais Sinais (M. Night Shyamalan, 2002), mesmo que apenas em poucos momentos. Não tem como não comparar esse longa aos antecessores de Peele, tendo em vista que se tratam de terror carregando consigo uma doutrina de cunho social. Neste, está presente a crítica sobre a compulsão midiática, o ato de filmar e registrar tudo em busca de lucro, o oportunismo em detrimento da segurança, em uma legítima inversão de valores.

Alertando para o spoiler – de Corra! e Nós – sobre um ponto em comum entre essas duas obras anteriores: a toada do diretor sempre coloca o negro em situação de perigo, mas vencendo e escapando ao final. Pode ser a maneira de Peele de se manifestar contra a banalidade da morte dos negros no cinema, ou, talvez, seja sua forma de aproveitar seu potencial para colocá-los como heróis, já que Hollywood costuma, quase sempre, dar vez apenas aos brancos. Para saber se neste filme o roteirista seguirá o modelo dos precedentes, só indo ao cinema conferir, a partir de 25 de agosto.

O pecado da película está em provocar o espectador com elementos secundários e trazer histórias paralelas que acabam por não mostrar uma conclusão à altura da expectativa criada. Também não se preocupa em ser assustador demais. A ameaça está perto, mas de alguma forma parece ser contida, não proporciona a inquietação que o gênero costuma propiciar ao espectador. Na verdade, o roteiro preocupa-se mais em homenagear o cinema, é uma ode à indústria travestida de crítica e isso faz bem feito.

No entanto, o longa se perde no gênero: com terror, ficção científica e comédia mesclado a um tributo à sétima arte, termina que para um terror não assusta tanto e para uma comédia não conta com muitos momentos de humor, funcionando, sim, na deferência à história do cinema. Desde o início, com o uso das primeiras imagens cinematográficas, cujo “ator”, o cowboy que participa das cenas e não era antes referenciado, faz agora parte da narrativa e se encaixa à trama sem forçação.

Daniel Kaluuya é um ator com talento inquestionável, mas na trama ele traz um jeitão pacífico, morno, que apesar de fazer parte da personagem, parece que lhe falta ânimo. Na verdade falta para o protagonista um passado, uma história ou algo que o conecte ao espectador, enquanto Emerald demonstra algumas camadas, mesmo que breves, mas que servem para atrair e conectar o público. Ela é o grande destaque e a química entre os dois não deixa a desejar.

Mas, é a interação entre Palmer e Brandon Perea (Angel Torres) que rende os melhores momentos, ela rouba as cenas em que aparece e a sequência dos dois na casa em um instante de tensão é, talvez, a melhor parte da obra. Perea traz uma ingenuidade e carisma genuínos, sendo a personagem mais fácil de se identificar. A participação de Michael Wincott, como o aclamado cineasta Antlers Holst, enriquece uma das ideias da produção. E o motoqueiro mascarado ao final, enaltece ainda mais e solidifica a mensagem a ser transmitida.

Steven Yeun está ótimo no papel de Ricky “Jupe” Park, dono do parque de diversões vizinho ao rancho da família Haywood. Ele é um ex-ator mirim traumatizado por um massacre que presenciou na infância e que atualmente usa esse fato como uma atração lucrativa do parque. A ligação dele com os atuais acontecimentos no céu da cidadezinha Agua Dulce é um dos preceitos da película. Era preciso aprender que animais silvestres não devem ser domesticados, cada um deve viver na natureza conforme seu habitat original. Fora disso, deve haver respeito e… distância.

Se comparado aos dois predecessores, este termina ficando em terceiro lugar, porque além de não pesar na crítica social densa e bem construída dos outros, não tem o impacto de Corra! nem é sombrio como Nós, e, talvez, o “problema” de Não! Não Olhe! seja exatamente pelas expectativas criadas em sua volta, diante da capacidade do diretor e roteirista. É o tipo de filme que funcionaria melhor como um primeiro longa dele, em que ele estivesse ainda experimentando ideias, contudo, com a experiência e o talento de Peele, fica um gostinho de que poderia ter sido melhor, porque ele já provou que é capaz.

Não! Não Olhe! estreia em 25 de agosto de 2022 nos cinemas.

Direção: Jordan Peele | Roteiro: Jordan Peele | Ano: 2022 | Duração: 130 minutos | Elenco: Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Steven Yeun, Brandon Perea, Michael Wincott, Wrenn Schmidt, Keith David, Devon Graye, Terry Notary, Barbie Ferreira, Donna Mills, Osgood Perkins, Eddie Jemison, Jacob Kim, Sophia Coto, Jennifer Lafleur, Andrew Patrick Ralston, Lincoln Lambert, Pierce Kang, Roman Gross.