Crítica | Não Mexa com Ela (Isha Ovedet) [2018]

Nota do Filme:

Nos últimos anos, iniciativas como os movimentos Me Too e Time’s Up desempenharam um importante papel no combate ao assédio e abusos sexuais, lançando luz sobre um problema que segue grave. Mesmo com os avanços conquistados nas últimas décadas, essa prática ainda permanece comum, seja em ambientes corporativos, em espaços domésticos ou em lugares públicos. Considerando que as campanhas acima mencionadas foram capitaneadas por diversas profissionais da indústria cinematográfica, era de se esperar que novas produções abordassem essa temática . Entre outros exemplos, foi o caso de Eu Não Sou um Homem Fácil, da série Big Little Lies, e do longa israelense Não Mexa com Ela

A trama acompanha Orna (Liron Ben-Shlush), que, após um longo período afastada, retorna ao mercado de trabalho para contribuir com o orçamento de casa, tendo em vista que o restaurante administrado pelo marido Ofer (Oshri Cohen) enfrenta dificuldades para decolar. Após um início promissor e empolgante, a agora corretora de imóveis se vê constantemente assediada pelo chefe Benny (Menashe Noy), o que, evidentemente, passa a tumultuar sua vida em diferentes níveis. 

O primeiro mérito que pode ser identificado é a maneira escolhida pela diretora Michal Aviad para conduzir a narrativa, e aqui vale ressaltar a importância de haver uma mulher na direção: ao possuir vivência e identificação com o assunto, ela pode oferecer um olhar e uma abordagem que dificilmente teriam o mesmo efeito caso o trabalho fosse conduzido por um homem. Algo que nos aproxima mais da personagem e é fundamental para o bom andamento do projeto. Isso posto, a cineasta é discreta e não chama atenção para si, permitindo que acompanhemos a evolução (ou degradação, dependendo do sentido) da relação entre patrão e funcionária, e tal escolha é inteligente porque basta deixar a câmera ligada com os dois na mesma sala para que o espectador sinta o desconforto crescente.  

 

Desconforto que é vivido com eficiência por Ben-Shlush, dos primeiros avanços sofridos às atitudes mais pesadas. Assim, é tocante e trágico quando a protagonista muda de expressão após ouvir um comentário aparentemente casual vindo do personagem de Noy. Ao fazer isso e reconhecer o perigo por trás do que foi dito, demonstra já saber o que vem pela frente, talvez revelando uma existência marcada por experiências semelhantes no passado. E o fato de a atriz projetar tudo isso apenas com seu semblante é prova de um grande talento.

Também são dignos de nota os enquadramentos do chefe. Mesmo quando não está diretamente incomodando sua subordinada, ele surge na tela quando esta fica em primeiro plano, seja a observando durante uma festa; entrando e saindo de cena quando ela está em uma reunião; ou borrado ao fundo, revelando uma onipresença que diz muito sobre seu comportamento.

Assim como é eficiente o roteiro de Aviad, Michal Vinik e Sharon Azulay Eyal, que não apresenta Benny como um predador de imediato, e sim como um sujeito respeitado por seus pares; pai de família e profissional de sucesso. Isso reafirma um ponto que movimentos feministas vêm alertando há anos: um abusador não é só o desconhecido encapuzado em um beco de escuro de madrugada, mas também aquele sujeito irrepreensível e acima de qualquer suspeita. Da mesma forma, os diálogos são formulados para construir gradativamente as ações vistas em tela, partindo de menções “inocentes” sobre cabelo, passando pela mudança de termos utilizados (Benny começa se referindo à dupla formada por ele e Orna como “time” para, mais à frente, usar a expressão “casal”) até chegar a gestos mais drásticos. O sentimento de culpa e os julgamentos pelos quais as vítimas costumam passar também não ficam de fora e, além de causar indignação, ajudam a compreender por que tantas mulheres optam por não denunciar o que passam. 

O que nos leva ao desfecho do filme. Sem entrar em maiores detalhes, a saída encontrada como solução não deixa de ser pouco impactante em termos narrativos, pois não parece corresponder à altura do que foi criado nos cerca de noventa minutos anteriores. Mas não chega a comprometer o resultado, concluindo um filme verossímil, pertinente e – triste constatação – extremamente atual.