Crítica | Morto Não Fala (2018)

Nota do Filme:

“Se eu conto aqui o que vocês me contam daí, pode me trazer desgraça.”

Stênio

Lançado em festivais em 2018 mas com estreia comercial apenas no ano de 2019, Morto Não Fala acompanha Stênio (Daniel de Oliveira), plantonista de um necrotério na cidade de São Paulo com o misterioso dom de falar com os cadáveres que chegam no seu serviço. Ao descobrir que é traído pela sua esposa Odete (Fabiula Nascimento), utiliza o conhecimento adquirido com uma conversa que teve com um perigoso criminoso assassinado para sua vingança pessoal, o que traz grandes consequências a ele e a qualquer pessoa em sua vida.

Primeiramente, destaca-se ser um tanto quanto interessante a escolha de locação da história. Focar em um trabalhador do Instituto Médico Legal (IML) de uma grande metrópole brasileira (São Paulo). Desta maneira, o protagonista se vê cercado de tragédias, desde mortes violentas, resultados de confrontos policiais, a óbitos totalmente evitáveis, como aqueles advindos de brigas entre torcidas de futebol, fatores esse que, infelizmente, fazem parte da vivência de grande parte dos brasileiros.

O roteiro se utiliza de um poder sobrenatural de Stênio para dar início a um conto simples sobre vingança, perfeitamente sintetizado no conhecido ditado “antes de sair em busca de vingança, cave duas covas”. Nesse sentido, o protagonista vingativo, em sua cegueira momentânea, coloca todos aqueles com que se importa em perigo.

De tal maneira, é justo afirmar que o longa é feliz na caracterização do personagem principal, um funcionário sem grandes pretensões que utiliza o seu dom de modo a dar um pouco de conforto àqueles que terminam em sua mesa. É uma caracterização simples, mas que funciona no contexto narrativa. Ademais, esse sentimento é reforçado nos aspectos técnicos por meio da fotografia, que opta por um tom acinzentado que casa com o sentimento geral da obra, permeada por mortes, bem como com o sentimento do Stênio, apático em sua vida e sem perspectiva de mudanças. 

Nesse sentido, existem pontos positivos a serem considerados. Daniel de Oliveira, como lhe é característico, entrega uma performance convincente, ainda que não beneficiada pela falta de sutileza do roteiro. Nessa seara, Bianca Comparato (3%), que aqui interpreta Lara, tem menos destaque, mas também apresenta um trabalho sólido. O filme conta, ainda, com segmentos extremamente interessantes e tensos, ainda que esparsos, o qual se destaca, especificamente, uma “armadilha” feita com linhas chilenas e cerol.

Todavia, há problemas que atravessam o resto da obra, que se iniciam na caracterização de Odete, um tanto quanto cartoonizada, de modo que diverge da sobriedade que antes permeava a história. Dessa forma, o conto que começa com um quê intimista rapidamente sobe a níveis exagerados. A trilha sonora, ao mesmo tempo, vacila, sendo por vezes tão excessivamente alta que chega ao ponto do desconforto. Importante mencionar, também, que subsiste um problema no ritmo do filme. Por fim, a escolha de utilizar efeitos visuais nos cadáveres, para fazê-los falarem, ao invés do uso estrito de maquiagem se mostra uma escolha estranha ao considerarmos o resultado final.

Dessa forma, por mais que Morto Não Fala conte com uma premissa interessante, jamais explora todo o seu potencial. A narrativa simples de como a vingança afeta não apenas a vítima, mas também o praticante, dá espaço a um conto genérico de terror que se utiliza de diversos clichês conhecidos. Há bons momentos mas, infelizmente, o saldo final é consideravelmente negativo.