Crítica | Morte no Nilo (Death on the Nile) [2022]

Nota do filme:

Se existe um diretor acostumado a levar livros clássicos ao cinema, este é Kenneth Branagh, muito conhecido por suas adaptações de Shakespeare durante os anos 90. Sua ambição de levar obras tão complexas quase palavra por palavra para as telonas lhe rendeu filmes longos (Hamlet, por exemplo, tem mais de quatro horas de duração), mas que acabaram se tornando referências dentro do gênero.

Depois de finalizada a fase shakespeariana, ele volta aos cinemas com mais um projeto igualmente ambicioso, porém mais divertido. Com Assassinato no Expresso do Oriente, de 2017, Branagh volta a adaptar um clássico, mas com a clara intenção de modernizar o que for possível sem descaracterizar a obra original. Sua visão do famoso livro de Agatha Christie foi, de fato, muito estilosa e bem intencionada. Ele consegue não apenas lhe trazer novo fôlego, como também tira a poeira de uma história absurdamente adorada e a transforma num filme com peso para levar grandes plateias aos cinemas, não apenas fãs.

Agora em 2022, depois dos diversos adiamentos relacionados à pandemia do Covid-19 e às polêmicas envolvendo o ator Armie Hammer no começo do ano passado, Morte no Nilo, sequência do filme de 2017, finalmente estreia hoje (10) nos cinemas. Adaptando mais um livro da “rainha do crime”, Branagh volta tanto na direção quanto na pele do famoso detetive Hercule Poirot, envolvido outra vez por acidente num crime que parece impossível de ser solucionado. Mas não para ele.

Kenneth Branagh em cena de Morte no Nilo.

Em Morte no Nilo, Poirot está de férias no Egito. Enquanto aprecia as maravilhas do país, ele reencontra um velho amigo e acaba sendo convidado para os festejos de lua de mel da rica herdeira Linnet Ridgeway (Gal Gadot). Durante um passeio de cruzeiro pelo rio Nilo, porém, a moça é assassinada enquanto dorme e todos que estão presentes a bordo são suspeitos. O problema é que, enquanto tenta solucionar o caso, Poirot acaba se deparando com novos assassinatos cometidos com o intuito de encobrir a verdade.

Morte no Nilo se diferencia de Expresso do Oriente em vários aspectos, mas também se parece com ele em muitos outros. Este segundo filme volta com o mesmo apuro visual do primeiro. Branagh faz questão de ostentar belas paisagens do Egito, sejam elas verdadeiras ou em CGI, todas envoltas numa belíssima fotografia em tons quentes e muito vivos. Tudo é muito refinado e bonito, o que não é nenhum defeito, mas, assim como no longa anterior, fica a impressão de que a ostensão visual é mais importante que a história em si.

O fator entretenimento tem um peso bastante considerável nesta franquia, já que o objetivo do diretor, de certa forma, é apresentar as histórias de Agatha para um público acostumado a tramas de mistério cada vez mais elaboradas e cheias de artifícios. Agatha Christie, como sabemos, era hábil em construir histórias de assassinato inteligentes e ágeis, mas é fato que ela tinha suas fórmulas, até hoje replicadas à exaustão. Em Morte no Nilo, Branagh faz de tudo para desconstruir alguns caminhos familiares, mas infelizmente cai da armadilha de tirar o foco daquele que é o cerne de qualquer livro da autora: o mistério.

Gal Gadot, Emma Mackey e Armie Hammer em cena de Morte no Nilo.

Se por um lado a movimentação de câmera do diretor, que já havia ganhado destaque no primeiro filme, volta a chamar atenção (com as devidas proporções de uma trama que não se passa num único cenário), ela só aparece lá pelas tantas da história. Antes de chegar ao local onde o crime de fato acontece, Morte no Nilo tem a seu favor o quesito estético, mas é pouco para manter a atenção do público com propriedade. Ele acaba sendo um filme que demora a chegar no que realmente interessa e, quando chega, tem dificuldade em trabalhar as reações dos personagens a cada novo acontecimento.

O roteiro é consideravelmente mais pesado que o de Expresso do Oriente, o que é um ponto positivo, mas volta a se parecer com ele no que diz respeito à falta de foco da narrativa. O filme perde muito tempo se concentrando em Poirot e numa outra trama paralela, deixando de lado o desenvolvimento das motivações e histórias dos coadjuvantes. Quando Linnet é assassinada, não fica tão claro o motivo porque cada um dos presentes teria tentado matá-la. Por este motivo, a resolução do caso (para quem não leu o livro) fica quase óbvia. Mesmo que Branagh pareça muito seguro em transpor a obra para a tela, faltou lembrar que é preciso mais atenção não apenas no visual, mas também no texto.

Apesar dos desvios que comprometem a qualidade geral do filme, Morte no Nilo cumpre a proposta de entreter e é bem divertido de assistir nos cinemas. A história tem algumas camadas a mais que a trama rocambolesca de Expresso do Oriente, o que termina prendendo o espectador cada vez mais até o desfecho. Seu maior trunfo, como já era esperado, é a inteligência e sagacidade de ter sido escrito por uma mestra eterna, coisa que nenhuma adaptação em qualquer época vai poder mudar.