Crítica | Linha de Passe (2008)

Nota do filme:

A vida tem vários pontos de vista, dentro de uma mesma família, existem diferentes tipos de pessoa e, portanto, jeitos diferentes de enxergar a vida e de vive-la, sendo assim, as variações estão presentes em todos os ambientes e a empatia é necessária mesmo nos núcleos onde as pessoas já se conhecem desde sempre.

No cinema, a montagem foi o jeito encontrado por grandes cineastas (pessoas como Edwin S.Porter e D.W Griffith, que fizeram muito sucesso no início do cinema), para mostrar esses pontos de vista diferentes em frente a câmera. Logo em seguida Eisenstein deu um novo significado para a edição e com o passar dos anos, vemos filmes cada vez mais inovadores nesse aspecto.

“Linha de Passe” (2008) é um desses filmes. Dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas, a obra foca em uma família de cinco pessoas, quatro filhos: Dario (Vinicius de Oliveira) sonha em ser jogador de futebol, porém, já não pode participar da maioria das seletivas de times por ter feito 18 anos, Reginaldo (Kaique de Jesus Santos) o filho mais novo, quer conhecer seu pai, Dinho (José Geraldo Rodrigues) encontrou na religião um apoio para se afastar da vida do crime e Denis (João Baldasserini) passa por uma situação instável no emprego e precisa manter a si e ao filho pequeno que não quer assumir e, por fim, a mãe, Cleuza (Sandra Corveloni) empregada doméstica e grávida do quinto filho.

Salles e Thomas usam a montagem paralela durante quase todo o filme, mostrando a vida dos irmãos e da mãe de forma separada, desenvolvendo-os como pessoas que buscam viver para si próprios, ao mesmo tempo em que lidam com os obstáculos da vida familiar. Sendo assim, o filme tem arcos bem estabelecidos e particulares, porém, ligados entre si, tanto pela relação dessas pessoas, quanto pelos momentos da vida delas.

Esses momentos mudam juntos e ao mesmo tempo, se algo dá errado na vida de um, vai dar errado na vida do outro, ou seja, a família é obrigada a se adaptar junto as mudanças, mesmo que eles não saibam disso, por exemplo, a reprovação de Dario em uma seletiva de time, culmina com Dinho tendo dificuldades em seu emprego e com a mãe não conseguindo lidar com Reginaldo.

Todos os personagens têm um tempo igual de tela, os cortes são muito bem encaixados de forma a fazer essas conexões citadas no paragrafo acima. Isso se revela como a maior qualidade do filme, pois todos eles tem vidas completamente diferentes umas das outras e em poucas ocasiões elas se encontram no meio do caminho, a não ser quando todos os membros dessa família estão em casa e ainda assim, devido as suas rotinas serem diferentes – algo também muito bem exposto pela montagem – muitas vezes eles não se encontram nem em casa.

O que é algo muito comum na vida dos brasileiros, o trabalho, as ocupações, dominam tanto as nossas vidas, que fica difícil se encontrar e conversar até mesmo com as pessoas que moram com a gente. É aqui que Cleuza e a atuação brilhante de Sandra Corveloni ganham destaque, pois cabe a ela, não como obrigação, mas por amor, unir os filhos e manter os bons sentimentos dominantes dentro de casa.

Corveloni cria sua personagem e a desenvolve com maestria, desde seu sotaque, o jeito de andar e até a maneira de torcer pelo Corinthians, sem esquecer, claro, do amor que demonstra pelos seus filhos, seja buscando Reginaldo na escola após uma briga, seja apoiando Dario no seu sonho. A atriz consegue oferecer várias nuances apenas no seu olhar.

Alias, todo o elenco está muito bem em seus papeis, Vinicius de Oliveira cria um Dario determinado a realizar seu sonho da maneira certa, não se rendendo a corrupção das seletivas, Kaique de Souza Santos traz humor ao filme, com a irreverencia de Reginaldo, Baldasserini demonstra toda a raiva que Denis tem do mundo e dos erros que cometeu e José Geraldo Rodrigues expõe muito bem a vontade que Dinho tem de mudar de vida.

Pois, todos naquela família querem marcar um gol, seja apoiando uns aos outros ou apenas sendo bem sucedidos em suas trajetórias pessoais, assim, a cena dos irmãos jogando futebol no quintal é bem explicativa: um passa a bola para o outro, um apoia o outro na jogada para fazer o gol, o que todos eles esperam, inclusive a mãe, é que eles estejam em posição legal para marcar.