Crítica | Licorice Pizza (2022)

Nota do Filme:

Escrito e dirigido pelo aclamado cineasta Paul Thomas Anderson, conhecido também como PTA, Licorice Pizza trata-se basicamente de um boy-meets-girl, mas com um novo vigor capaz de encantar aos mais descrentes do subgênero. Não deixa de ser uma comédia romântica, muito embora com uma graça e uma originalidade capazes de se afastar do estilo comumente repleto de clichês. Na verdade, a obra é um coming of age que já nasce com uma atmosfera de cult-pop, trazendo um frescor necessário e eficiente ao gênero.

A história acompanha a jornada de amadurecimento de um jovem de 15 anos, Gary Valentine (Cooper Hoffman), que se apaixona por uma mulher dez anos mais velha, Alana Kane (Alana Haim), a qual evita corresponder o afeto por conta da diferença de idade, no entanto não perde oportunidade de estar perto do rapaz. Eles se conhecem em um dia de foto na escola de Gary, onde Alana está trabalhando como assistente de fotografia e ele logo se aproxima cobiçando-a e investindo em um encontro com a pretendente.

Gary age como adulto, abrindo negócios, indo a restaurante e com o tino para o comércio precocemente elevado, enquanto Alana parece sem rumo, sem ideia do que fazer, “atirando para todos os lados”. É com essa perspectiva sobre ambos e com a familiaridade sob as características típicas dos dois, que a diferença de idade acaba se reduzindo e tornando-se inócua no decorrer do longa. Ambos iniciam vários negócios juntos e não se desgrudam mais, mesmo com a recusa de um relacionamento amoroso por parte dela.

O forte da película talvez seja justamente a falta da relação amorosa propriamente dita. Deixar o sentimento latente entre os jovens de alguma forma contribuiu para trazer autenticidade à história. Eles parecem pessoas reais, com dificuldades reais, restando fácil a identificação do público e imersão na trama. Para além de uma comédia romântica, é um filme de companheirismo e amizade e o afeto transborda nas cenas, mesmo sem beijos e abraços acalorados. Conseguir transpor ao espectador essa relação de “amor platônico x amizade” foi uma ideia corajosa que, junto com as ótimas atuações dos estreantes Hoffman e Haim, contribuiu para o êxito da obra.

Vale destacar que apesar das performances consistentes de Cooper Hoffman e Alana Haim, ambos estão em seu primeiro longa. Essa chance gigante dada aos dois estreantes se deve ao fato de que o cineasta, PTA, já dirigiu alguns videoclipes da banda Haim, composta por Alana e suas irmãs, as quais também fazem parte da produção, ao lado de seus pais. Já Cooper é filho do falecido Phillip Seymour Hoffman, grande ator que atou em diversos papéis em filmes de Anderson.

O triunfo do filme também está na excelente ambientação. Ele consegue levar ao público um sentimento de nostalgia de uma época – anos 70 – e um lugar – San Fernando Valley, Califórnia – mesmo sem o espectador ter vivido no tempo ou sequer visitado o local. O cuidado com as escolhas musicais, o design de produção e a fotografia completam esse conceito visual de cores e texturas que faz o público embarcar na trama e se perder entre Gary e Alana, correndo com eles e esperando e torcendo por um momento romântico entre os dois.

Conta com algumas participações para além de especiais, que fazem muita diferença: Sean Penn, Bradley Cooper, Ben Safdie e nomes da comédia como Maya Rudolph e John Michael Higgins, mas o destaque vai para Harriet Sansom Harris, que dá vida a agente de talentos Mary Grady e é responsável por uma das melhores cenas e a mais divertida do filme. As performances exaltadas e caricaturescas agregam e têm seu valor, com curtas participações que conferem um tom de roadie movie à obra.

Como anteriormente exposto, Licorice Pizza é muito bem ambientado nos anos 70 e, com isso, produz uma grande nostalgia da época e transporta com facilidade o espectador para a década. A trilha sonora também é arrebatadora. Os interiores das casas, o figurino e a fotografia são destaques que fornecem uma bela estética e criam uma identidade visual peculiar ao longa. Não é do tipo que se esquece facilmente. É o tipo que se leva na memória e que não se reclama por passar mais de duas horas em frente a tela assistindo a toda a película, inserido na história.

Apesar do personagem de Bradley Cooper – que dá vida ao ex-cabeleireiro e maquiador polêmico de Hollywood, Jon Peters – ser um sujeito machista e misógino e o filme retratar isso como algo repulsivo, o que aponta para um avanço nas ideias politicamente corretas, a obra retrocede em outra parte ao brincar com um sotaque japonês forçado causando desconforto com uma piada racista e anacrônica. Essa “brincadeira” de mau gosto e ultrapassada causou uma mancha em uma trama tão singular.

Contudo, o longa é uma prova de que comédia romântica não precisa ser clichê, o romance não necessita estar soltando na tela para ser convincente. O “quase casal” parece real e suas vidas se entrelaçam de maneira fluida, com a narrativa aproximando-os sem soar forçada. Com ferramentas para encantar a todos os gostos, não é à toa que foi indicado a três categorias no Oscar desse ano: melhor filme, direção e roteiro original (a cerimônia acontece em 27/03/2022).

É curioso perceber que o enredo lembra o teor da música Eduardo e Mônica, cuja história foi contada no cinema por meio do longa homônimo lançado em janeiro desse ano. Todavia, o roteiro é original, corajoso e inovador. Renova trazendo um novo frescor ao gênero e mostra que comédia romântica pode ser divertida, encantadora e graciosa sem, necessariamente, abusar de clichês a todo instante. Com um charme de filme independente, Licorice é leve, doce e verdadeiro e promete não ser facilmente esquecido.

Licorice Pizza estreia em 17 de fevereiro somente nos cinemas.

Direção: Paul Thomas Anderson | Roteiro: Paul Thomas Anderson | Ano: 2022 |Duração: 134 minutos | Elenco: Alana Haim, Cooper Hoffman, Bradley Cooper, Sean Penn, Benny Safdie, Skyler Gisondo, Tom Waits, Will Angarola, John C. Reilly, Maya Rudolph, Moti Haim, Donna Haim, Danielle Haim, Este Haim, James Kelley, Griff Giacchino, Harriet Sansom Harris.