Nota do filme:
A comédia é provavelmente o gênero mais rentável do cenário cinematográfico brasileiro. Mesmo com o inegável sucesso de bilheteria, o gênero tem dificuldade em agradar a crítica especializada pela abundancia de produções plásticas com humor “forçado” e diálogos artificiais. La Vingança (2016), produção brasileira em parceria com a Argentina, é uma exceção.
Neste road movie, o dublê de cinema Caco (Felipe Rocha) flagra sua namorada Julia (Leandra Leal) traindo-o com o famoso Chef argentino Facundo (Adrián Navarro). Para “recuperar sua dignidade”, ele e o amigo Vadão (Daniel Furlan) planejam uma das vinganças mais infantis e divertidas do cinema brasileiro: ir de carro até o país do cozinheiro e “pegar” o maior número possível de “hermanas”.
Longe de ser um filme de vingança, ainda que sobre vingança, o longa acerta pela despretensão. Sem grandes análises sociais sobre a rivalidade entre brasileiros e argentinos, sem opiniões condenatórias sobre relações amorosas ou lições éticas a respeito de tendências vingativas, o filme se garante contando sua história singela de maneira cativante.
Inegavelmente sobre o universo masculino, o filme corria o risco de estender a lógica machista dos personagens principais resultando num discurso sexista, mas isto não acontece. As consequências de suas ações, a contraposição com personagens femininas sempre a sua frente, e a falta de sucesso na “pegação” compõe um discurso silencioso apontando Caco e Vadão como tipos que não devem ser lidos com seriedade, mas nunca pela vereda do moralismo.
Além disso, o filme não condena as ações e decisões de Julia (aliás, aproveito este espaço para pedir que todos os filmes nacionais tenham participação obrigatória de Leandra Leal). Muito pelo contrário, quanto mais informações nos fornece sobre Caco, mais empatia desenvolvemos por ela. Caco é um homem tedioso que está nitidamente vivendo no piloto automático há anos, incapaz de reconhecer sua parcela de culpa no rumos que sua vida toma, seu vitimismo é cansativo. O desfecho de seu relacionamento foi um reflexo disso. Felipe Rocha tem uma atuação competente, mas não desperta carisma, por sorte isso funciona para a composição do personagem, embora provavelmente exceda o pretendido já que torna dificultosa a construção da empatia pelas questões emocionais e psicológicas do personagem.
Por outro lado, Vadão compensa a falta de carisma do amigo. Para os espectadores. O personagem é um típico babaca (mais por falta de noção do que por índole) irritante de se conviver, mas divertido de assistir. Daniel Furlan tem presença de tela e faz o exercício da comédia parecer simples.
Por sorte, os dois tem uma dinâmica boa e a contraposição de suas personalidades, bem ilustrada pela maneira que se retratou o comportamento social deles durante a cena da festa, enriquece o filme. Enquanto dupla, os personagens não tem problemas em segurar a simpatia do público durante os 90 minutos.
Ajudadas pelo roteiro de bons diálogos, todas as interações são orgânicas e convincentes. Ponto para ótima direção de atores do estreante Fernando Fraiha e do co-diretor Jiddu Pinheiro, de quem partiu a ideia da história, em outras mãos um texto tão verborrágico poderia deixar a narrativa enfadonha.
Fraiha fez uma escolha sensata em não forçar a graça de situações que, na natureza de sua absurdez, já são suficientemente cômicas. Tudo é muito bem dosado, o tom é leve, as piadas não sobram nem falta, (com exceção das referências à velha rixa Maradona-vs-Pelé que poderiam aparecer duas ou três vezes menos), as situações estapafúrdias são críveis, as reações são verossímeis.
Aqui não há semelhanças com produções televisivas e, ainda que o humor seja semelhante ao que se faz atualmente na internet, a linguagem é totalmente cinematográfica. Fraiha tem personalidade, seus enquadramentos e planos são elaborados e deixam o filme vistoso. Ademais, o filme tem uma sagacidade discreta ao apresentar os personagens como forasteiros e acentuar este caráter pela cinematografia que alude aos filmes de faroeste e uma trilha insinuante de Ennio Morricone, que aparece algumas vezes.
La Vingança não é um grande filme, mas não tem intenção de ser. É competente ao divertir e contar sua história e, principalmente, em mostrar que existe vida para comédia nacional além da Globo.
Fernando Fraiha, diretor do viral Choque de Cultura e produtor de Reza a Lenda, TOC, Uma Quase Dupla e o ainda não lançado Turma da Mônica: Laços, traz frescor ao cinema nacional e provou em 2016 com La Vingança que é um nome para se prestar atenção.
Linguista, feminista, comunista de Iphone e debochada. Acredito que todo desentendimento é causado por confusão semântica e que 90% dos conflitos humanos podem ser resolvidos com diálogo. Especialista em procrastinação, melancolia e overthink.
Formei-me em Letras e no Cinema busco esquecer.