Crítica – John Wick 4: Baba Yaga [2023]

Nota do filme:

“Se você vencer, terá a sua liberdade.”

Marquis

John Wick 4: Baba Yaga começa pouco após o seu antecessor e acompanha o personagem título – interpretado pelo carismático Keanu Reeves – em sua guerra contra a Alta Cúpula. À medida que se aproxima do seu objetivo final, porém, se vê diante do poderoso Marquis (Bill Skarsgård), um assassino com alto poder de influência. Assim, vê-se forçado a lutar, também, com antigos aliados, em especial Caine (Donnie Yen), seu antigo amigo que, nos velhos tempos, fora seu companheiro.

Falar que o diretor e roteirista Chad Stahelski mudou o cenário dos filmes de ação americanos com o início desta franquia não é novidade para ninguém. A verdade é que o gênero, em seu estado puro – e, portanto, desconsiderando longas produzidos pela Marvel, por exemplo –, estava em um marasmo, com coreografias pouco elaboradas e péssimo trabalho de câmera, salvo raras exceções.

Contudo, para a surpresa de muitos, em 2014 surge John Wick. Curiosamente, no Brasil o longa foi lançado como De Volta ao Jogo, nome esse que, em que pese a péssima tradução, funciona quase como uma metalinguagem ao seu ator principal, afinal, à época, parecia que Keanu não mais iria conseguir emplacar algum sucesso no Cinema.

Com um conto inicial simples de vingança e luto, Chad Stahelski conseguiu transmitir, através das câmeras, sua grande experiência como dublê/coordenador de dublê, trazendo sequências de ações interessantes, intensas e, mais importante, realistas. Desde então, a franquia tenta sempre, ao melhor estilo Missão Impossível, superar o seu antecessor, cunhando cenários cada vez mais elaborados. Nesse sentido, não há qualquer exagero em dizer que John Wick 4: Baba Yaga é o filme mais ambicioso da saga, porém, infelizmente, essa característica acaba por prejudicá-lo.

A começar pelo seu tempo de duração, 2h49min, que, acompanhado de um roteiro pouco fluido – em especial na sua primeira metade –, acaba por gerar uma sensação de cansaço no espectador. Isso porque quando um longa tem um tempo de duração tão extenso quanto esse, o ritmo da narrativa não pode falhar, pois é facilmente perceptível. É justo dizer, contudo, que o roteiro de fato tenta dar dinamismo a situações que, via de regra, seriam padronizadas, como expansão da sua própria mitologia, em especial pela constante mudança de locações – focando principalmente entre Nova York, Osaka, Berlim e Paris. 

Entretanto, tendo em vista a similaridade dos cenários envolvidos, a realidade é que, ao espectador, pouca diferença faria. Com exceção, destaca-se, da capital francesa, eis que Chad Stahelski se utiliza bastante de pontos turísticos consagrados como a Basílica do Sagrado Coração, o Arco do Triunfo e a Torre Eiffel.

Parece haver, também, uma dissociação de alguns novos personagens à trama de um modo geral. Isto é, em que pese o ator Shamier Anderson ter apresentado um ótimo trabalho no papel de um assassino obcecado por matar John. Não há, porém, qualquer relação entre ele e o personagem título, ou, se há, não é mencionada. Não apenas as suas motivações, mas, além disso, os seus meios são desconhecidos da audiência, que sequer sabe como ele tem tantas informações sobre Wick.

A despeito de alguns equívocos, porém, é justo dizer que o longa cumpre muito bem o papel de expandir a mitologia da saga. Somos apresentados, ainda que de maneira tímida, à origem assassina do protagonista em um segmento surpreendentemente natural, considerando que já estamos no quarto filme. Ademais, ao rememorar acontecimentos ocorridos em seu John Wick 3: Parabellum, dá novo contexto à cenas que, de outra forma, poderiam parecer desconexas.

Analisadas todas essas questões, seria impossível não passar para aquele que talvez seja o maior atrativo e, também, marca registrada da franquia: suas intensas sequências de ação. Neste ponto, todavia, também existem inconsistências perceptíveis, resultando em grande flutuação na qualidade e, ainda, disparidade para com seus antecessores.

John Wick 4: Baba Yaga aumenta demasiadamente o número de envolvidos no conflito, ocorrendo, por vezes, entre dezenas de pessoas simultaneamente, o que faz com que, por vezes, ocorram erros na coreografia. É algo natural, afinal, o foco, nos filmes anteriores, ficava exclusivamente no protagonista. Ao precisar balancear diversos atores em situações semelhantes, ao mesmo tempo, é apenas natural que isso viesse a ocorrer.

Cenas de ação são excepcionalmente difíceis, pois, a despeito de serem exaustivamente ensaiadas, devem exalar uma aparência de espontaneidade, sob pena de perder o seu caráter visceral. É, infelizmente, o que ocorre em alguns segmentos, que, por vezes, transmitem uma sensação de controle excessivo, parecendo pouco natural.

Nesse sentido, inclusive, estranha-se a adição de Caine. Não sobre a atuação de Yen – que é excelente, como lhe é típico, com ótimas sequências de ação – em si, mas sim sobre o personagem. Isto porque a inserção de um assassino cego com as suas capacidades acaba por remover a sensação de realismo tão característica à trama. Transforma-se, dessa forma, quase em uma história de super-heróis – comparações com o herói Demolidor, por exemplo, são inevitáveis.

Não se diga, entretanto, que John Wick 4: Baba Yaga não possui fortes sequências de ação, eis que seria uma mentira. O confronto no Arco do Triunfo, por exemplo, é intenso e visceral, com Chad Stahelski conduzindo de maneira maestral incontáveis elementos ao mesmo tempo. Logo em seguida se tem uma tensa sequência nas escadas que dão acesso à Basílica do Sagrado Coração, que, inclusive, humaniza de maneira considerável nosso protagonista.

Ainda neste tema, seria impossível – para não dizer relapso – ressaltar o absoluto brilhantismo no plano sequência todo em ângulo zenital em um prédio abandonado, bem semelhante ao imortalizado pelo clássico moderno Minority Report. É possível apenas conjecturar o trabalho envolvido em tal cena e Stahelski pode ter, de fato, cunhado o melhor momento de ação da franquia – e isso quer dizer alguma coisa.

Acerca do diretor, é bom lembrar que, por mais que tenha vasta história na indústria cinematográfica como dublê/coordenador de dublês, este é apenas o seu quarto projeto na função diretorial. Dessa forma, é justo dizer que ainda está se descobrindo no cargo, experimentando diferentes estilos.

Neste filme temos, até o momento, seu trabalho mais experimental, testando diferentes técnicas e formatos. Às vezes, não compensa, por exemplo, o uso excessivo de lens flare – nada no nível de J.J. Abrams. Às vezes, porém, seus instintos se mostram corretos, como no plano de sequência supramencionado, cunhando uma sequência que certamente será extensamente revista no futuro. Com o tempo, espera-se que Stahelski se desenvolva e marque seu nome como um expoente do gênero – se é que já não o fez.

Sendo assim, com problemas de ritmo e instabilidade quanto às sequências de ação, John Wick 4: Baba Yaga é elevado por meio do imenso carisma de seu elenco e momentos que, em que pese não serem constantes, compensam por seu intenso brilhantismo. A bem da verdade, acaba por não alcançar as (altas) expectativas que seus antecessores criaram, o que não quer dizer, de modo algum, que se trata de uma obra ruim, apenas que o nível de excelência da franquia é, de fato, alta. O futuro da saga, se houver, está seguro, e só promete melhorar.