Crítica | Já não me Sinto em Casa nesse Mundo (I Don´t Feel at Home in this World Anymore) [2017]

Nota do Filme:

O título do filme (traduzido literalmente) traz a ideia de pertencimento, tema cada vez mais comum neste mundo de redes sociais fáceis, em que tudo o que é bom e glamouroso é postado, visualizado e curtido, gerando uma conexão entre as pessoas. Dificilmente são publicados momentos tristes, dolorosos ou corriqueiros, mesmo que, na verdade, sejam comuns na vida de – quase – todo mundo. É a sensação de fazer parte de um grupo, essa conexão, que dá origem ao pertencimento.

A postagem do cotidiano de uma vida “normal”, que consiste em acordar, trabalhar, voltar para casa, realizar os afazeres domésticos e dormir para recomeçar no outro dia não “rende like”, não acarreta conexão, não alcança o “pertencimento”. É nessa vibe de não pertencimento que a protagonista se encontra no início do longa, olhando as estrelas, como que buscando respostas para as suas indagações, bebendo, sozinha, enquanto ouve risadas ao fundo. Na sequência, a personagem passa despercebida pelas outras pessoas, que nunca lhe dão a preferência. Até um encontro casual num bar, que poderia gerar alguma conexão, não leva a nada.

Essa é a história de Ruth (Melanie Lynskey), uma auxiliar de enfermagem, solitária e reflexiva, sem filhos, companheiros, nem um trabalho instigante que preencha seus dias. Conta apenas com uma amiga para desabafar e buscar respostas às questões sobre a vida, o universo e tudo mais, como se quisesse descobrir o sentido da sua própria.

Quando ocorre um assalto em sua casa começam, também, as mudanças na sua vida. Ao chegar em casa, encontra suas coisas reviradas e percebe a falta de um conjunto de talheres, que fora de sua avó, medicamentos e um notebook. A polícia foi chamada, mas apenas anotaram os dados, para fins meramente burocráticos e em nenhum momento demonstraram interesse ou vontade na causa. Ruth percebe, então, que para reaver seus bens terá que agir por conta própria. E é aí que sai da inércia da vidinha comum e sua personagem passa por uma evolução, que vai sendo mostrada em pequenas medidas.

O vizinho Tony (Elijah Wood), um sujeito esquisito, destemido e religioso, torna-se seu parceiro nessa busca por “justiça pelas próprias mãos”. Eles formam um improvável casal com uma sintonia à la Dom Quixote e Sancho Pança e, mesmo sem uma típica cena de beijo, é fácil torcer pelos dois. Lynskey transforma-se aos poucos e a direção de Macon Blair é clara na vontade de mostrar essas pequenas mudanças de comportamento, que farão diferença no final do filme. Já Wood é um tipo estranho, que vai revelando um pouco da sua personalidade à medida que se entrosa no mundo da Ruth, para quem está sempre disponível.

Com algumas cenas beirando o bizarro, adquire um tom de mistério que confere mais “recheio” à trama. A história ganha maiores proporções no seu desenrolar, com direito a perseguições, humor negro e alguns momentos trash. Como é típico do gênero, conta com fatos convenientes para facilitar o encontro entre os personagens, mas nada também impossível de acontecer na vida real. Tem uma pegada no estilo de 7 Psicopatas e Um Shi Tzu e Dois Caras Legais. É uma mistura de comédia com humor negro e policial. Uma obra inusitada, com ótimas atuações e uma bela trilha sonora.