Crítica | Honey Boy [2019]

Nota do Filme:

“Eu vou fazer um filme sobre você.”

Otis

Honey Boy acompanha a vida de Otis (Lucas Hedges), ator de vinte e dois anos extremamente bem sucedido. Após problemas com bebidas, interna-se em uma clínica de reabilitação, momento no qual é forçado a confrontar o seu passado, quando tinha ainda doze anos (Noah Jupe) e era uma estrela em ascensão na TV e forçado a conviver com o seu abusivo pai, James (Shia LaBeouf).

O filmes atraiu atenção no Festival de Sundance deste ano pelo seu roteiro, escrito pelo Shia LaBeouf e baseado nas próprias experiências como ator. Trata-se, portanto, de uma obra claramente catártica àquele que a escreve, o que tende a aumentar a imersão por parte do espectador.

Honey Boy, nesse sentido, impressiona pelo nível de sentimentalismo que consegue perpassar sem, contudo, parecer tentar fazê-lo. Isto é, a ideia de LaBeouf em abordar o próprio trauma de maneira roteirística acaba tendo um inevitável caráter terapêutico, não apenas a ele mas a todos aqueles que se viram/se vêem em situação remotamente semelhante.

De igual maneira, o fato de ele próprio interpretar o pai, figura responsável por diversos traumas pessoais, cria uma díade interessante, na qual, ao mesmo tempo em que parece dizer que estamos fadados a cometer os mesmos erros de nossos pais – o vício que ambos compartilham, por exemplo – traz, também, uma fagulha de esperança, uma vez que o reconhecimento não apenas das falhas de nossos genitores como também da aflição delas decorrentes, trará inevitável fechamento ao sofrimento.

O filme é bastante competente na retratação de um relacionamento abusivo entre pai e filho. Isto é, o clichê do pai sádico que vive integralmente para ferir o filho não tem espaço em Honey Boy, muito pelo contrário. James gerencia a carreira de Otis e pode ser bastante atencioso. Ainda, ao menos em sua visão, tem certeza que o ama e que faria o que fosse necessário por ele, o que resulta em sentimentos conflitantes por parte de Otis, que não consegue entender como se sentir perante uma figura que pode ser, simultaneamente, carinhosa e agressiva.

A direção, que aqui compete a Alma Har’el, é feliz na transição entre passado e presente, ponto esse imprescindível à fluidez narrativa. As sutis alterações entre o modo de filmagem de Otis aos doze e vinte e dois anos é uma maneira interessante de representar o seu estado de espírito naquele tempo específico.

Justamente por focar em relações interpessoais, o longa é muito dependente de boas atuações. Felizmente, o trio protagonista entrega uma performance invejável. Noah Jupe (Um Lugar Silencioso, Extraordinário) mostra um talento incondizente com a pouca idade – quinze anos. Shia LaBeouf assusta com uma performance fim tantas camadas sobre uma pessoa tão próxima quanto seu pai. Lucas Hedges, com menos tempo de tela, sempre convence como um jovem problemático, com dificuldade em lidar com o sucesso precoce. Por fim, o elenco de suporte corresponde quando necessário.

Sendo assim, Honey Boy se revela uma obra extremamente interessante. Ao se colocar perante o público de maneira tão pessoal, seja atuando seja escrevendo, LaBeouf cria algo realmente impressionante. Com o auxílio da direção de Har’el e de fantásticas performances, o resultado é um filme que certamente ajudará pessoas distintas.

Filme visto durante o 21º Festival do Rio, em dezembro de 2019