Nota do Filme:
Na crítica de Colossal, foi dito que os chamados “filmes de monstros” costumam utilizar suas criaturas para fazer algum comentário sobre medos e tensões verdadeiramente humanas, como recurso para dialogar com os espectadores. Tais práticas são empregadas, de modo amplo, no gênero terror como um todo, e com Histórias Assustadoras para Contar no Escuro não é diferente.
Situado no final da década de 1960 em uma pequena cidade da Pensilvânia, o filme acompanha um grupo de adolescentes que, após visitar uma casa abandonada na noite de Halloween, se depara com um macabro livro no qual os contos são escritos em tempo real e têm o poder de se concretizar, ameaçando as vidas dos jovens, que se encontram em uma contagem regressiva para impedir a maldição. Com essa proposta, Histórias Assustadoras… apresenta uma curiosa combinação de estilos, sendo um thriller sobrenatural com pitadas de slasher film, uma vez que os personagens vão sendo perseguidos um a um por uma entidade incontrolável (o que faz com que, após a apresentação do elenco principal, seja possível identificar com facilidade quem será a primeira pessoa a morrer).
Mas, afinal de contas, o longa é competente enquanto obra de terror? Por um lado, a composição de Sarah Bellows (Kathleen Pollar, a entidade mencionada acima) é eficaz enquanto antagonista implacável, de modo que é criado um sentimento de urgência e atmosfera de pânico, considerando que suas ações parecem inevitáveis. Dessa forma, se teme verdadeiramente pela morte dos protagonistas. Por outro, há uma dependência muito grande dos momentos de sustos e aumentos de volume, o que tira um pouco do impacto das cenas.
Com Guillermo del Toro sendo um dos produtores, há um destaque particular no que diz respeito à aparência dos monstros que povoam a história, uma vez que um dos pontos fortes da filmografia do mexicano reside justamente na composição visual dos elementos fantásticos, e isso é refletido aqui, especialmente na “Mulher pálida de olhos negros” e no “Homem contorcido”. Também merece ser mencionado o design de produção, que utiliza, por exemplo, o quarto de Stella (Zoe Margaret Colletti) para estabelecer a personalidade da garota ao mesmo tempo que traz referências e homenagens a clássicos do gênero com pôsteres na parede.
Por sua vez, o roteiro, baseado na trilogia de livros escrita por Alvin Schwartz, às vezes compromete o ritmo. Assim, se as primeiras vítimas vão sendo feitas uma atrás da outra, há um tempo consideravelmente (e convenientemente) mais longo até chegar no confronto derradeiro. Da mesma forma, alguns diálogos pecam pela exposição, como, por exemplo, quando Stella diz “Estamos ouvindo Sarah!” sendo que, segundos antes, havia sido dito que a voz da garota surgiria em um gramofone.
Porém, retornando às observações do primeiro parágrafo, quais são os “medos e tensões verdadeiramente humanas” aludidas na obra? O longa não é muito sutil nessa parte: a Guerra do Vietnã e a eleição de Richard Nixon em 1968 permeiam o enredo do início ao fim. A virada dos anos 1960 para a década de 1970 foi um período de relativa desesperança para boa parte da sociedade norte-americana, e o próprio Cinema refletiu isso (vide O Massacre da Serra Elétrica). Se o conflito bélico no sudeste asiático rendeu algumas das principais joias antimilitaristas (Apocalipse Now, Platoon, Nasicdo para Matar), as conturbações políticas (Nixon renunciaria à presidência em 1974 após o escândalo Watergate) contribuíram para que o período fosse retratado com boa dose de cinismo e crueza. Portanto, quando a narração em off fala sobre “ganância e mentiras”, fica fácil deduzir que não se refere apenas a lendas urbanas.
Por ser uma produção baseada em um livro real – e girar em torno de outro fictício –, o ato de contar histórias e mantê-las vivas é tratado com extrema importância, como fica evidente nas falas que abrem e encerram a projeção. Desse modo, Histórias Assustadoras… reconhece dignamente o valor da memória e sua importância para o estabelecimento da verdade. Tendo em vista que o material de origem é uma trilogia, fica a torcida para que possíveis continuações levem adiante esse legado.
Historiador que acredita que a vida fica mais fácil quando vamos ao cinema.
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