Crítica – Heróis nunca morrem (Les héros ne meurent jamais) [2019]

Nota do Filme:

Em Hérois nunca morrem, primeiro longa de Aude Léa Rapin, a diretora transita entre o estudo de personagem, o olhar sobre o conflito étnico da região da antiga Iugoslávia, a busca pela identidade, e a metalinguagem cinematográfica. Uma abordagem ousada, mas que, em função da pouca solidez reservada a cada faceta de seu roteiro, e da curta duração do projeto (são pouco mais de 85 minutos), acaba nunca decidindo de maneira firme qual caminho quer seguir, o que resulta em uma história que perde constantemente seu foco, desperdiçando assim um grande potencial, ainda mais tendo em vista a eficiência de sua dupla de protagonistas, que poderia ser melhor aproveitada.

O que era para ser mais um dia comum na vida de Joachim (Jonathan Couzinié) torna-se um mistério quando um desconhecido o aborda na rua e o acusa de ser um general bósnio chamado Zoran, morto em 21 de agosto 1983. O problema é que 21 de agosto de 1983 é justamente a data de nascimento de Joachim, o que faz com que sujeito parta em uma viagem para Sarajevo ao lado da amiga Alice (Adèle Haenel), para tentar entender minimamente a situação.

Como já mencionado no parágrafo inicial, é justamente a profusão de ideias que dificulta o andamento da narrativa (e, consequentemente, a experiência de quem está assistindo). Dessa forma, após os minutos iniciais fica-se a ideia de um road movie mesclado com a busca por identidade – com toques de suspense e até mesmo o terror de uma found footage –, para, pouco depois, ser abordado o tom semidocumental sobre a guerra da Bósnia, e, ao longo de toda a história, surgirem piscadelas sobre a arte de se criar um produto audiovisual.  

E, considerando tais problemas apresentados, o roteiro – escrito em quatro mãos por Léa Rapin e Couzinié – não consegue escapar muito da mediana proposta apresentada desde o início da projeção. Portanto, o enredo nunca sabe muito bem qual trajeto percorrer. E isso é algo que acaba comprometendo até elementos mais básicos de uma trama que deveriam ser tratados com um pouco mais de atenção. Dessa forma, determinadas cenas acabam perdendo o peso dramático por conta de uma exposição desnecessária de falas que poderiam muito bem ser deixadas lado, como no momento em que um personagem diz que há muitos túmulos em um cemitério, sendo que a câmera imediatamente nos mostrará isso, ou quando alguém menciona como buracos de balas “decoram” os edifícios, para (adivinhe) logo em seguida vermos os tais prédios em questão, o que acaba por tirar todo o impacto do momento.

Em contrapartida, com um elenco reduzido (na prática, são quatro personagens com tempo recorrente de tela), o filme passa a depender consideravelmente da força de suas atuações centrais, e aqui reside o grande peso da obra. Se Couzinié compõe um Joachim contemplativo, que, mais do que através de palavras, concentra em seus olhares e expressões faciais uma bela mescla de confusão e desejo de entender o que está acontecendo, a Alice de Haenel não economiza em verbalizar uma intensidade de sentimentos que pareciam estar esperando o menor estopim para transbordar, e seu monólogo no final da projeção é o melhor exemplo disso. Mais um trabalho digno dessa jovem atriz que já coleciona grandes performances.

Para todos os efeitos, o espectador provavelmente chegará ao final de Heróis nunca morrem com vontade de saber mais sobre a história de Joachim, ou sobre quais as reais intenções de Alice (é impossível não questionar suas motivações), o que é um mérito do filme. Mas, ao mesmo tempo, terminará a experiência um tanto frustrado por se de dar conta de que o longa promete mais do que cumpre. E é justamente essa falta de equilíbrio o maior demérito de um filme que exala irregularidade.